Por G1
O infectologista David Uip, ex-coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de SP, disse nesta quinta-feira (20) que “jamais defendeu a distribuição ou uso indiscriminado” da cloroquina na rede pública do país, após ter sido citado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO) durante a CPI da Covid, em Brasília.
No segundo dia de depoimento do ex-ministro Eduardo Pazuello na CPI, Marcos Rogério mostrou uma fala gravada de David Uip de abril de 2020, dizendo que, em reunião com o ex-ministro Henrique Mandetta dias antes, Uip defendeu a adoção do protocolo e distribuição da cloroquina no país, assim como outras autoridades estaduais brasileiras. O remédio é ineficaz contra a doença, segundo estudos.
“Jamais defendi a distribuição ou uso indiscriminado da cloroquina na rede pública. Naquela reunião, o que se discutiu foi apenas que o medicamento fosse usado em pacientes internados em hospitais, em estado grave e sob supervisão médica, antes deles serem entubados. Era começo da pandemia e pouco se sabia sobre os efeitos colaterais graves do medicamento”, afirmou Uip.
O ex-secretário de saúde de SP confirmou a reunião que teve com o então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, e mais três especialistas, em 23 de março, e disse que ela aconteceu enquanto ele estava em isolamento por também ter tido a doença.
“O ex-ministro pediu para eu participar, mesmo em isolamento e, naquele 23 de março, pouco se sabia sobre várias medicações que estavam sendo usadas experimentalmente para conter a infecção. Até medicação contra Aids estava sendo utilizada por alguns médicos para ajudar a conter o processo inflamatório dos pacientes. Foi uma reunião técnica e se avaliou a adoção do protocolo com consentimento dos pacientes e estritamente sob supervisão médica”, disse Uip.
“Desde abril, quando os primeiros estudos começaram a apontar possíveis efeitos colaterais do medicamento, o uso foi completamente descartado. A ciência evoluiu. A pandemia é um aprendizado do dia a dia. Neste momento, não há qualquer evidência científica de indicação da cloroquina para a prevenção ou o tratamento da Covid-19”, completou o médico.
O G1 procurou a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e questionou se em algum momento a hidroxicloroquina foi adotada oficialmente como medicamento contra a Covid-19 na rede pública paulista. Em nota, o governo paulista afirmou que declarações do governador João Doria (PSDB) e de Uip foram descontextualizadas “com o objetivo de deturpar o sentido original delas” e que, no estado, “os gestores de saúde deliberaram pela não recomendação do uso do medicamento em casos leves, moderados ou graves de COVID-19 devido à insuficiência de evidências sobre a eficácia”.
“O Governo de São Paulo repudia a manipulação flagrante de declarações do governador João Doria e do médico infectologista David Uip. As falas mostradas pelo senador bolsonarista Marcos Rogério, durante a CPI da Covid, foram retiradas do contexto com o objetivo de deturpar o sentido original delas. Essa é uma prática comum dos negacionistas para desinformar e tirar o foco da população para os temas que realmente importam para combater a COVID-19: vacinação, distanciamento social, uso de máscaras e medidas de higiene”, disse a nota.
“Nessa ocasião, o Governador citou claramente a posição do Governo de São Paulo quanto à cloroquina, afirmando que “quem decide como, quando, onde e com quem aplicar a cloroquina é o médico, não é o Governador”, completou.
CPI da Covid
Ao mostrar a fala de David Uip na CPI da Covid-19 nesta quinta (20), o senador Marcos Rogério afirmou que o colegiado tenta acusar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de ter sido o único responsável pela distribuição da hidroxicloroquina no Brasil.
“Querem enquadrar o presidente Bolsonaro e proteger os governadores. Por quê? Porque foram [eles] quem distribuíram, e não estou dizendo que eles cometeram crimes, não senhor. Estavam tentando salvar vidas com os meios disponíveis. Não faltam provas. Vejam quem indicou um ministro da saúde que adotasse o protocolo hidroxicloroquina, e vejam quem distribuiu. Eu vou mostrar aos senhores, vou passar um videozinho rápido aqui, para que todos possam assistir”, declarou o senador antes de mostrar a fala na CPI.
Além da declaração de David Uip, Marcos Rogério mostrou outras falas do governador de SP, João Doria (PSDB), Wellington Dias (PT), do Piauí, e de Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão.
O vídeo da fala de David Uip foi tirado de uma coletiva de imprensa de 8 de abril de 2020, no Palácio dos Bandeirantes, onde o então secretário de saúde deu a declaração abaixo.
“Quero afirmar que na reunião na quinta-feira passada, com o ministro Mandetta, eu sugeri ao ministro, eu era o único infectologista, que ampliasse o uso da cloroquina para todos os pacientes internados em duas condições, desde que o médico receitasse e o paciente autorizasse. Da mesma forma que a cloroquina continuasse sendo usada como nas pesquisas que estão em andamento. Outro fato que a cloroquina não é um remédio inócuo, ele tem efeitos adversos: cardíacos, hepáticos e visuais. Então é um medicamento que tem de ser usado com critério e com cuidado, sempre sob observação do médico que prescreveu”, declarou o infectologista naquela coletiva do ano passado.
Na CPI, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) também citou o infectologista David Uip nesta quinta-feira (20) e mencionou a necessidade da convocação dele pela comissão para esclarecer a declaração.
Confira a íntegra da nota do governo de São Paulo:
“O Governo de São Paulo repudia a manipulação flagrante de declarações do governador João Doria e do médico infectologista David Uip durante o combate à pandemia. As falas mostradas pelo senador bolsonarista Marcos Rogério, durante a CPI da Covid, foram retiradas do contexto com o objetivo de deturpar o sentido original delas. Essa é uma prática comum dos negacionistas para desinformar e tirar o foco da população para os temas que realmente importam para combater a COVID-19: vacinação, distanciamento social, uso de máscaras e medidas de higiene.
Nessa ocasião, o Governador citou claramente a posição do Governo de São Paulo quanto à cloroquina, afirmando que “quem decide como, quando, onde e com quem aplicar a cloroquina é o médico, não é o Governador”.
O SUS tem protocolos que preveem o uso da cloroquina/hidroxicloroquina para tratamento de doenças como artrite reumatoide, lúpus, artrite idiopática juvenil, dermatomiosite, polimiosite e malária. Por isso, em SP, os gestores de saúde deliberaram pela não recomendação do uso do medicamento em casos leves, moderados ou graves de COVID-19 devido à insuficiência de evidências sobre a eficácia. Vale lembrar que a automedicação é contraindicada em qualquer hipótese e, especialmente para COVID-19, é necessário haver embasamento científico e prescrição médica para segurança dos pacientes.”
Foto: Mister Shadow/ASI/Estadão Conteúdo