Por UOL Notícias
A atuação do governo de Romeu Zema (Novo) em favor da aprovação na ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) da lei que reduz a alíquota de IPVA de locadoras de veículos quando elas revendem seus automóveis pode colocar o estado na mira do Ministério Público de Minas e do Tribunal de Contas.
Isso porque a medida patrocinada pelo governador altera a lei atual para conceder ao setor um benefício fiscal, prática proibida quando a despesa corrente do governo é superior a 95% das receitas correntes, atual situação de Minas Gerais.
De acordo com último balanço orçamentário divulgado pelo governo mineiro, o estado fechou o primeiro bimestre de 2023 com uma previsão atualizada de receita corrente anual de R$ 93,5 bilhões, ante uma despesa corrente de R$ 91,3 bilhões (97,6%).
A proibição de conceder ou ampliar incentivos de natureza tributária está em vigor desde 2021, por meio da Emenda Constitucional 109, aprovada e promulgada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Apesar da restrição, a concessão do benefício às locadoras foi aprovada na tarde desta quarta-feira (14) na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária da ALMG e deve ser levada para votação do plenário hoje (15), em segundo turno.
Pela regra atual, quando põe à venda um carro para renovar sua frota, uma locadora de veículos deve pagar 4% de IPVA, contado proporcionalmente a partir do momento da venda. Se a mudança for aprovada pela Assembleia mineira, o IPVA devido após essa transação será de 1%, a mesma alíquota cobrada de cada veículo em locação, uma diferença de três pontos percentuais.
Se aprovada, a mudança vai beneficiar centenas de locadoras que atuam no estado, em especial o grupo Localiza, controlado pela família do empresário Salim Mattar. Sócios da Localiza bancaram 28% dos gastos eleitorais de Zema na campanha de 2022.
Por meio de sua assessoria, o UOL perguntou ao governador mineiro se ele considera vetar o benefício ao setor, caso seja aprovada no plenário da ALMG, ou se pretende reduzir despesas para melhor a proporção entre receita e despesas. Ele não quis responder.
“O Governo de Minas não comenta a tramitação de projetos de lei e respeita a autonomia do Poder Legislativo para discutir temas de interesse público”, informou a administração, por meio de nota.
Uma versão anterior do projeto em discussão previa também uma anistia às dívidas tributárias das locadoras, referentes ao valores de complementação não pagos desde 2018. Nesta quarta, o deputado Zé Guilherme (PP), relator do projeto, optou por retirar este dispositivo do texto.
Entenda o caso
Em Minas a lei prevê alíquota de 4% de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) para contribuintes, em geral, e de 1% para locadoras de veículos.
Em 2017 entrou em vigor lei determinando às locadoras que realizem um pagamento complementar e proporcional deste imposto quando o veículo deixa de ser utilizado para locação e é transferido para uma subsidiária de revenda, por exemplo.
Desde então, a medida vem sofrendo forte oposição das locadoras. Apenas no ano passado, a receita líquida da revenda de carros para renovação da frota da Localiza, maior empresa instalada no estado, foi de R$ 8 bilhões, de acordo com balanço da companhia.
Em 2021, o governo Zema ingressou com uma ação contra a Assembleia de Minas denunciado suposta inconstitucionalidade da cobrança adicional às locadoras, mas o Tribunal de Justiça mineiro indeferiu o pedido liminar feito pelo estado.
Outros entes federativos que também oferecem alíquotas diferenciadas para o setor – como Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná – não preveem o pagamento de imposto complementar no ano de eventual transferência.
Para o líder do governo Zema, o deputado Gustavo Valadares (PMN), o fim da cobrança complementar não deve ser entendido como benefício, por conta do “ambiente de guerra fiscal” em que o estado se encontra.
“O que parece ser um benefício é na realidade um ajuste concorrencial em relação aos estados limítrofes. A realidade é que se não fizermos esse ajuste as empresas mudam para um ambiente de carga tributária menor. E aí Minas Gerais perderá arrecadação. Pois temos mais de 70% da frota nacional registrada no Estado”, afirmou.
O presidente do Sinfazfisco-MG (Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais), Hugo René de Souza, diz não concordar com o beneficiamento de um único setor, em detrimento de outras categorias.
“Que sentido faz atropelar a tudo e a todos para dar benefício aos bilionários e não ouvir os anseios dos servidores que realmente atendem a população mineira?”, pergunta o dirigente, para quem a concessão do benefício é inconstitucional.
O projeto de lei que concede anistia às locadoras e acaba com a cobrança complementar para veículos direcionados à revenda foi pautado para se discutido na última terça-feira (13), mas a discussão foi adiada porque a oposição apresentou 22 proposta de emendas que concedem benefícios fiscais a outros setores. A medida foi interpretada como uma forma de tentar obstruir a continuidade do projeto.
Foto: Cristiano Machado / Imprensa MG