Por DCM
Israel bombardeou duas vezes Jabalia, o maior campo de refugiados da Faixa de Gaza, sob a justificativa de matar os responsáveis pelos ataques terroristas do Hamas e destruir sua infraestrutura. Atingiu também civis e crianças, como era de se esperar. Trazendo para o Brasil seria como lançar mísseis em uma favela densamente povoada para pegar um grupo de traficantes.
Lá como aqui, isso é um crime contra a humanidade. Mas há quem defenda isso e, portanto, esteja celebrando as crateras abertas onde antes havia conjuntos residenciais em um campo de refugiados. Considerando que o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, disse que eles estão “lutando contra animais”, pelo menos é coerente.
Dados da Unrwa, a agência da ONU que cuida dos refugiados palestinos, apontam que havia, antes do 7 de outubro, 116.011 pessoas vivendo no campo de Jabalia em uma área de 1,4 quilômetro quadrado. Isso dá quase 83 mil/km2. A altíssima taxa foi notada pelo doutor em direito internacional Jefferson Nascimento, da Oxfam Brasil.
Para efeito de comparação, o Censo 2022 registrou 67.199 pessoas na favela da Rocinha. Com uma área de 0,95 quilômetro quadrado, a densidade democráfica da comunidade carioca é de quase 71 mil pessoas por km2.
Por mais que parte dos habitantes tenha fugido de Jabalia depois que o Exército israelense ordenou a evacuação, outros tantos resolveram ficar por não terem para onde ir. Sem contar os que chegaram ao Sul da Faixa de Gaza, viram que lá também eram alvo de bombardeios, como em Khan Younis, e voltaram para tentar a sorte em casa.
Imagine, agora, um caça F-16, ou, no caso do Brasil, um sueco Gripen, sobrevoando Jabalia ou a Rocinha e despejando bombas em “alvos cirurgicamente pré-determinados pela inteligência” para acertar apenas criminosos. Qual a chance disso, desculpem pelo meu francês, dar merda? Vale o risco? Para governos extremistas e seus apoiadores, sim, apesar da quase totalidade dos moradores de ambos os locais serem pessoas honestas que querem apenas terem uma vida digna.
Ressalte-se que a vida no campo de refugiados de Jabalia é muito mais difícil que na favela da Rocinha, o que torna um ataque como esse mais asqueroso.
O governo de Tel Aviv diz que o Hamas usa civis como escudos – o que até um texugo com problemas de cognição sabe há tempos. O que o texugo não entende é porque, sabendo das táticas desses criminosos, as Forças de Defesa de Israel lançam mãos dos bombardeios mesmo assim mostrando que preocupam-se com a vida dos locais tanto quanto o Hamas.
Em entrevista à CNN, um porta-voz do Exército culpou as próprias vítimas – que são alvo de dois criminosos de guerra, o Hamas e o governo Benjamin Netanyahu. “É um local de batalha complicado, pode ter infraestrutura [do Hamas] ali, túneis. Essa é a tragédia da guerra. Estamos dizendo há dias: civis que não estão envolvidos com o Hamas, vão para o Sul”, afirmou. Ou seja, quem ficou, assumiu o risco.
A ONU chamou o eu aconteceu de “atrocidade”. Israel celebra a morte de Ebrahim Biari, um dos líderes do ataque de 7 de outubro. Hospitais apontam que o primeiro bombardeio matou mais de 50 e feriu outros 150. Israel diz que são todos “terroristas do Hamas”. Imagens de crianças sendo recolhidas dos escombros circularam pouco antes de um novo corte às comunicações de Gaza.
Isso significa que, para o governo de Israel, os bebês são terroristas ou danos colaterais aceitáveis. Em ambos os casos, isso é tão brutal quanto atacar uma rave de jovens ou jogar uma bomba em um campo de refugiados.
Desde 7 de outubro, 8.525 pessoas foram mortas em Gaza, das quais 3.542 crianças, enquanto 1,4 mil perderam a vida pelas mãos do Hamas em Israel. A rede Al Jazeera publicou o nome e idade de 6.743 dos 7.028 mortos em Gaza entre 7 e 25 de outubro. Quem tiver interesse em conhece-los, clique aqui.
A comparação entre as duas comunidades não é à toa. A ação estatal de tratar um território inteiro como inimigo por conta de um punhado de pessoas e o comportamento de extremistas que apoiam cerco e extermínio de uma comunidade também ocorrem aqui – com ressalvas às naturezas, às proporções e ao contexto. Como aqui já disse, a Palestina não é o Hamas e a Rocinha não é o Comando Vermelho.
Foto: Bashar Taleb/AFP