Home Comentários Mourão assume e manda Exército limpar as praias do Nordeste. Fez lembrar o ímpeto do também vice Aureliano Chaves

Mourão assume e manda Exército limpar as praias do Nordeste. Fez lembrar o ímpeto do também vice Aureliano Chaves

22 de outubro de 2019, 19h37 | Por Letícia Horsth

by Letícia Horsth

Ao ver o vice-presidente, general Hamilton Mourão, assumir a presidência da República e logo em seguida mandar 5 mil soldados do Exército ajudar a população civil a limpar as praias do Nordeste, inundadas pelo óleo de um navio-petroleiro que defecou no mar, lembrei-me do então vice-presidente da República, Aureliano Chaves, ex-governador de Minas e vice do presidente, general João Batista Figueiredo.

E qual a relação de causa e efeito entre o general Mourão e o civil Aureliano Chaves? Em princípio, nenhuma, até porque Figueiredo estava sendo operado do coração em Cleveland, Estados Unidos, e o presidente Jair Bolsonaro está no Japão, em viagem pretensamente comercial – de lá irá à China e à Coreia. Ou seja, tanto Aureliano, em junho de 1983, estava assumindo em caráter excepcional, como agora Mourão o faz porque o titular está viajando, não diria em viagem de recreio, mas em prospecção de mercados.

A semelhança está nos gestos, na atitude. Há dois meses ou mais que as praias do Nordeste estão sendo emporcalhadas pelo petróleo que algum navio deixou cair no mar – coisa que até hoje o governo brasileiro não conseguiu descobrir – e a presidência da República não fez outra coisa senão mandar o ministro do meio-ambiente visitar a região, do alto, sem ter ido lá nem tomado outra providência – a não ser levantar provavelmente de forma leviana a acusação de que isso seria coisa da Venezuela. Pois bem. Mourão assumiu e imediatamente mandou os 5 mil soldados do Exército ajudarem a limpar as praias – coisa que Bolsonaro via apenas pela televisão. Mourão avançou suas tropas e as colocou a serviço do Nordeste.

Com Aureliano aconteceu coisa semelhante. Primeiro civil a ocupar a presidência da República, mais de 17 anos após a derrubada de João Goulart – assim mesmo teve que ser autorizado pelos ministros militares – Aureliano assumiu à sua maneira. Com audácia, com comando, da mesma forma como governou Minas Gerais, sem titubear. Mais ou menos assim como Mourão nesse caso das praias nordestinas. Nada de ficar de longe, nada de mandar um ministro sobrevoar a região e ainda criar uma polêmica desnecessária com o governador da Bahia. Mourão e Aureliano, nesse sentido, tiveram – ou teriam não tivesse Aureliano já falecido – a mesma percepção. Foi assim que Aureliano governou Minas e até por isso foi feito pelo presidente Ernesto Geisel vice de Figueiredo. De forma que nos 49 dias em que presidiu o país, Aureliano não tergiversou – assim com Mourão na semana passada – a tal ponto que não permitiu a prisão de três padres franceses que foram condenados pelo STM e os expulsou do país, convencido de que no seu governo não haveria presos políticos. Nesse ponto, dificilmente Mourão seguiria Aureliano, embora o governador de Minas tivesse participado do golpe militar de 64, como secretário do então governador Magalhães Pinto.

Talvez até por isso mesmo – poder de decisão, tomada de atitudes – é que Mourão ao discursar em Belo Horizonte, em dezembro de 2018, portanto antes mesmo de tomar posse, tenha dito que na vice-presidência da República se inspiraria em dois outros vices: Marco Maciel, vice de Fernando Henrique Cardoso, e em Aureliano Chaves. E explicou: – O Marco Maciel era pessoa extremamente discreta, um político hábil. É um bom exemplo de vice-presidente. Já o Aureliano era um pouco mais audaz, mas é também um bom exemplo para ser seguido. E contou que Aureliano que Aureliano, quando substituiu Figueiredo em 1961, sustentou as suas posições, abriu o diálogo com o Congresso Nacional e se revelou um exemplo de vice-presidente. E concluiu: “Aureliano era político. Eu acabo aprendendo”. Conta a história que depois dessa interinidade, nunca mais voltaram a ser boas as relações entre Aureliano e João Figueiredo, tanto é que o então vice-presidente abriu uma dissidência na Frente Liberal e aliou-se a Tancredo Neves, a quem ajudou a se eleger presidente da República, ao final da ditadura militar. Bem que Mourão poderia aprender um pouco mais com Aureliano Chaves.

Foto: JÚNIA GARRIDO/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

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