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O Ermitão da Rua Paracatu Matéria especial por Márcio Fagundes.

3 de abril de 2020, 22h26 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

by Redação ★ Blog do Lindenberg

Ao cair esta semana o último tijolo da casinha branca de janelas vermelhas na Rua Paracatu, esquina com Martim de Carvalho, local que por décadas abrigou o falecido ex-governador Hélio Garcia, o jornalista e professor Itamar de Oliveira concluiu um livro, cujo personagem central será o filho de Santo Antônio do Amparo, que fez história por estas Minas Gerais. Sua lembrança seguirá assim caudalosa entre familiares, amigos e adversários, embora o desaparecimento do lugar encerre uma era das grandes lideranças no Estado. Pareceu até combinação do destino.

Em suas paredes não mais se encontram as aquarelas de Mário Silésio, os quadros a óleo de Fani e de Carlos Bracher, a fotografia do produtor cultural Márcio Ferreira, a emoldurada coluna assinada por Carlos Castelo Branco, no Jornal do Brasil, com distinções meritórias ao mineiro. Aquele chão não guarda mais as marcas de um homem que gostava de circular descalço e de bermuda entre as salas de visita e de estar com o inseparável copo de uísque em uma mão e o cigarro Charm na outra, de fala pouco acima da monossilábica e aos trancos, sorriso contido, que sabia como poucos a importância do elogio em bom som e do cochicho no defeito.

“Sem ódio e sem ressentimentos”, divagava entre interlocutores.
A residência foi ao chão juntamente com dois outros imóveis vizinhos para dar lugar a mais um megaempreendimento no Bairro Santo Agostinho. Debilitado, Hélio Garcia viveu ali seus últimos dias. Ela foi palco de inúmeros episódios no cenário político. Naquele modesto recanto se discutiu a sucessão da Prefeitura de BH, as várias sucessões no Estado e, muito, a transição do governo autoritário para o democrático, à frente Tancredo Neves, no colégio eleitoral.

A política estava impregnada no endereço. Discreto a não poder mais, HG recebia amigos, correligionários, imprensa, prefeitos e deputados em horários inusitados, muitas das vezes de madrugada. Não adiantava tocar a campainha ao lado do portãozinho de ferro. Ele espreitava pela veneziana da janela da sala quem era o anônimo desguarnecido. Entrava somente quem chamara ou gostava. A desculpa era a de sempre, para lá de manjada: “Dr. Hélio foi hoje cedo para a fazenda”. Amigo íntimo, mesmo, foi o Álvaro Batista, o “Ieié”, companheiro desde a juventude, que dizia-lhe o que ninguém neste mundo tinha coragem nas coisas mais corriqueiras, a ponto de não se importar com o gelo das momentâneas desavenças, logo apaziguadas em torno do velho escocês. Carlos Elóy, a quem tratava por “Carlinhos”, também era coringa na manga. Outros muitos e tantos, na sua maioria também ditos amigos, foram seduzidos pelo inebriante carisma do cacique udenista.

O livro de Itamar de Oliveira custou cinco anos de árduo trabalho. Ele colheu o depoimento de mais de uma centena de pessoas com algum tipo de contato relevante com o “Ermitão” da Fazenda Santa Clara, em Santo Antônio do Amparo. Parentes, serviçais, jornalistas, auxiliares e assessores diretos foram ouvidos. O jornalista descobriu, por exemplo, que sua formação educacional deu-se em escolas protestantes do sul-mineiro. Ele destrinchou a árvore genealógica do rapazote, que veio do interior para a capital, se arriscou no mundo dos negócios imobiliários, cursou a Faculdade de Direito da UFMG, e chegou a líder do Governo Magalhães Pinto, na Assembléia, com menos de 30 anos.

A obra ganhou dimensão nacional, perdeu qualquer aspecto provinciano, com os testemunhos de Delfim Neto, José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique, Pedro Simon, Antônio Fleury e outros. Todos, agendados, fizeram questão de receber o autor em Brasília ou São Paulo. O lançamento seria, a princípio, em junho com pompas e circunstâncias. Devido à pandemia, porém, está suspenso. Já em fase de diagramação e revisão, com o título provisório de “Volto para ser Melhor”, a obra chegará em momento de constatada aridez na política mineira. O deputado estadual, deputado federal, prefeito de BH, duas vezes governador e notório homem público foi um ser humano da maior grandeza. O que, nos dias atuais, não é para qualquer mortal.

Créditos/Autor: Márcio Fagundes
Foto: ISA NIGRI / O Tempo

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