Por Metrópoles
A volta de Lula a Brasília, tão ansiada pelo mercado, já deu ritmo ao governo de transição e parece encerrar também um ciclo especulativo da equipe que se caracteriza por falar alto e produzir versões para todos os gostos.
Em menos de 24 horas o presidente eleito já fez chegar sua versão da PEC da Transição ao Congresso destravando a tramitação da peça mais urgente para a largada de seu terceiro mandato. E já definiu o primeiro ministro – o da Defesa.
Nesse caso, a escolha de José Múcio, ex-deputado e ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), indica uma opção diplomática de Lula para o convívio com os militares e, mais que isso, para a despolitização dos quartéis que alcançou um nível de risco.
Múcio é político conhecido pela sua habilidade e pelo trânsito em todo o espectro ideológico-partidário. Por isso seu anúncio teve receptividade nas Forças Armadas que voltam a ver no ministério da Defesa um civil, conceito iniciado com Fernando Henrique Cardoso, interrompido por Temer e recuperado agora.
Com o presidente eleito exercendo sua natural liderança, a equipe de transição perde em especulações e ganha em poder decisório. O ambiente de democracia corintiana passa a ter alguma racionalidade e o governo eleito passará a ter um rosto político com a gradual indicação de ministros.
Nos primeiros movimentos concretos, Lula confirma a linha pragmática com a qual acenou já no discurso da vitória, na avenida Paulista, reiterou ao tomar a iniciativa de reunir-se com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e novamente deixou clara ao procurar legendas, como o União Brasil até aqui dadas como determinadas a impor uma oposição sistemática ao seu governo.
O PT não esconde o mau humor com o pragmatismo que o presidente eleito imprime às suas ações e teme a redução de seu espaço como partido na construção do governo. Começa a perceber que a aliança ao centro, na campanha, precisa ser estendida para dar estabilidade política ao terceiro mandato de Lula.
O compromisso no fio do bigode de não interferir na eleição legislativa transformou-se em apoio formal do PT e de sua rede associada (PSB, PC do B, Rede e Pros) à candidatura de Arthur Lira que, assim, vai caminhando para uma reeleição por aclamação.
Lula faz o óbvio: nenhum passo seu teria solidez se não fosse precedido por um entendimento com o Legislativo. A priorização dessa etapa produziu uma espécie de histeria coletiva, liderada pelo mercado, que o julgou como deitado em berço esplêndido em uma calma suicida.
Lula, no entanto, devolve o exercício político à rotina do poder em Brasília, consciente de que este é um Congresso diferente de qualquer outro: com menos partidos, comandos centralizados em seus presidentes e fortalecido pelo controle parcial do orçamento, que deseja ser total.
Já vislumbrou que sua gestão avançará pontualmente, reunindo maiorias móveis, caso a caso, projeto a projeto, o que lhe impõe um ministério heterogêneo, alianças variáveis de acordo com o tema em pauta. Conta com uma base raiz de uma centena e meia de parlamentares à qual precisará somar votos de outras legendas.
O PT ainda não parece ter assimilado essa realidade, pelo menos como demonstrou nos 30 dias de ausência de Lula. Talvez tenha sido importante a ausência de Lula nessa fase para dar exposição ao cacoete exclusivista de seu partido.
O fato é que o PT sai desse período com exposição negativa por ter exibido o sectarismo de outrora. Com versões a esmo, “fogo amigo” e vetos internos – casos de Alckmin e Simone Tebet, justamente os perfis decisivos na vitória eleitoral. O velho casarão ganhou novos moradores, adotados pela mãe de todas as horas – a necessidade. E o partido precisa assimilar a nova realidade.
Se serve de conforto, os compromissos firmados por Lula em nada podem – e devem – ser comparados á aliança de Bolsonaro com o Centrão. Bolsonaro, a rigor, foi rendido pelo Centrão após passar metade do mandato em confronto com o Congresso, fiel à linha da campanha de desmoralizar a política.
Interrompeu esse processo quando percebeu que ele poderia leva-lo ao mesmo destino do presidente Fernando Collor e da presidente Dilma Rousseff. Ambos, por circunstâncias e razões diferentes, acabaram em confronto com o Poder Legislativo e tiveram seus mandatos interrompidos.
Nas próximas horas outros nomes devem ser anunciados e vale ficar atento às reações do PT. Quanto maiores e mais intensas, mais Lula estará caminhando para o centro coerente com a pauta política que exigirá dele não só habilidade política, mas capacidade de votação.
O que deve ser comemorado é a volta da política, deserdada no governo que está de saída. Ela volta – menos pela eleição de Lula e mais pela derrota de Bolsonaro.
João Bosco Rabello é jornalista há 45 anos e participa da cobertura política em Brasília desde 1977. Participou de coberturas históricas e integrou a equipe pioneira no Brasil do noticiário em tempo real da Agência Estado/Broadcast.
Texto original da colunadobosco.com
Twitter: @jboscorabello
Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles