Em meio à preocupação do país com uma pandemia que já tirou a vida de mais de 460 mil pessoas, ganha força no mundo político o debate sobre a impressão do voto em eleições e plebiscitos, uma mudança de grandes proporções e custo bilionário para alegadamente garantir mais segurança a um sistema de votação que nunca teve fraudes comprovadas.
A adesão do PDT de Carlos Lupi e Ciro Gomes a essa pauta mostrou que essa emenda à Constituição proposta pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) não interessa apenas ao entorno do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem colocado em dúvida a confiabilidade do sistema. O sentimento no Congresso, entretanto, segundo parlamentares de diferentes partidos consultados pela reportagem, é que há muito pouco tempo para discutir e aprovar matéria tão complexa até outubro deste ano, para que o voto impresso possa valer para as eleições de 2022.
A comissão especial que debate o tema na Câmara funciona desde o último dia 13, e o relator, deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) espera levar o texto a votação no colegiado (que tem maioria bolsonarista de 18 contra 10 opositores e independentes) até o fim de julho. Se aprovado, terá de passar pelo Plenário da Câmara com dois terços dos votos e fazer o mesmo caminho no Senado.
Além do prazo curto, jogam contra a PEC grandes interrogações sobre como operacionalizar a integração da urna eletrônica usada desde 2000 com impressoras que garantam a conferência do voto pelo eleitor e eventuais auditorias.
Atrapalha também a resistência do Poder Judiciário, que já considerou inconstitucional uma lei prevendo o voto impresso em 2015, quando a previsão era de que a mudança custasse R$ 2,5 bilhões para as eleições dos 10 anos seguintes.
Membros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já avisaram a políticos que, ainda que a PEC seja aprovada, um ano seria pouco para desenvolver o novo sistema e comprar todos os equipamentos necessários. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso já se manifestou dizendo que o voto impresso “seria inútil” para conter as dúvidas sobre fraudes, além de muito caro. Não há cálculos atualizados sobre o custo.
Como funcionaria
Pelo texto proposto por Bia Kicis, o eleitor seguirá votando na urna eletrônica, mas ela terá uma impressora acoplada, na qual a pessoa poderá ver o voto impresso antes de apertar a tecla confirma.
O eleitor não sai da sessão com o comprovante, o papel fica numa urna lacrada e os votos são guardados para eventuais auditorias ou recontagens se houver questionamentos sobre o resultado da eleição.
A partir daí, começam as dúvidas – para além do custo. Quem poderia questionar resultados? Sob quais argumentos? Haveria recontagem de 100% dos votos? Ou uma auditoria em uma porcentagem deles? Quem recontaria, humanos ou máquinas? Ainda que ninguém peça, haverá auditoria em parte dos votos? Quantos?
Essas e outras questões seriam debatidas, idealmente, por meio de leis ordinárias regulamentando a emenda constitucional, mas os bolsonaristas buscam colocar tudo no texto da PEC para ganhar tempo e atender às demandas do presidente, que tem feito ameaças do tipo “sem voto impresso [em 2022], é sinal de que não vai ter eleição“.
Nesta segunda-feira (31/5), a comissão especial terá mais uma audiência pública para debater a viabilidade do voto impresso a partir das 14h. Em outra audiência, no último dia 20, especialistas convidados pelos deputados mostraram como ainda há mais dúvidas do que certezas sobre o tema.
O engenheiro Amílcar Brunazzo, especialista em segurança de dados e voto eletrônico, que acompanha o processo eleitoral desde 2000 e participou de várias auditorias, como a que o PSDB pediu sobre a eleição nacional de 2014 e que não achou indícios de fraude, falou primeiro. Ele afirmou por videoconferência que não tem como dizer que o sistema já foi fraudado, mas que não tem como garantir que não tenha sido. “Eu acho que há falhas de segurança, mas o sistema não tem transparência suficiente pra se detectar fraudes”, afirmou ele, que defende a impressão do voto como forma de dar confiança ao sistema. “Hoje o eleitor não tem como ver o voto dele, o registro”, afirmou.
Fonte: Metrópoles
Foto: AFP