Nas cantinas de escolas particulares do Brasil, a comercialização de alimentos ultraprocessados e preparações culinárias baseadas nesses produtos é cerca de 50% maior do que a de alimentos saudáveis. Essa é a conclusão do estudo pioneiro “Comercialização de Alimentos em Escolas Brasileiras (Caeb)”, conduzido por pesquisadores de seis universidades públicas, incluindo a UFMG.
Entre os produtos mais consumidos, o refrigerante lidera com 61,8%, seguido por salgados assados com recheio ultraprocessado (47,8%), bombons ou chocolates (37,9%) e salgadinhos de pacote (37,4%). O levantamento avaliou a comercialização de alimentos e bebidas em 2.241 cantinas escolares e 699 ambulantes no entorno de escolas privadas de ensino fundamental e médio nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal.
No grupo de alimentos saudáveis — in natura, minimamente processados ou processados e preparações culinárias à base desses alimentos — os itens mais vendidos nas cantinas foram água (79,7%), sucos naturais de fruta (70,5%), bolos caseiros (59,4%), salgados assados sem recheio ultraprocessado (53,2%) e sucos 100% integrais (37,5%). Entre os ambulantes, a água foi o item mais comercializado, seguida por café (12,2%), bolos caseiros (11,6%) e suco natural de fruta (11,3%).
O papel das escolas
Para coletar os dados, foram aplicados questionários abordando três aspectos principais: caracterização da cantina ou do ambulante, comercialização de alimentos e bebidas (incluindo variedade, preço e estratégias de promoção), e a presença de publicidade desses produtos.
A Escola de Enfermagem da UFMG, junto a outras 23 instituições de ensino superior públicas, participou da pesquisa. A professora Larissa Mendes Loures, uma das coordenadoras do estudo, ressalta que o ambiente alimentar escolar tem papel crucial na formação dos hábitos alimentares das crianças e adolescentes. Segundo ela, a qualidade dos alimentos disponíveis nas escolas impacta diretamente a saúde e o bem-estar dos estudantes e há diferenças significativas entre os ambientes alimentares das escolas públicas e privadas.
“As escolas públicas se destacam por promoverem uma alimentação saudável por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que fornece refeições alinhadas às diretrizes nutricionais brasileiras”, explica Larissa. Esse programa busca garantir segurança alimentar e nutricional, promovendo uma alimentação adequada e saudável. Já as escolas privadas, segundo a professora, tendem a oferecer um ambiente alimentar mais obesogênico, com maior oferta de ultraprocessados e menos opções saudáveis.
Dados de Belo Horizonte
O estudo revelou que 92,54% das cantinas de escolas particulares comercializam lanches, enquanto 22,13% oferecem café da manhã e 23,82% disponibilizam almoço. Em Belo Horizonte, mais da metade das cantinas oferecem almoço.
Nas 26 capitais e no Distrito Federal, aproximadamente 20,16% das cantinas disponibilizam refeições completas. O Distrito Federal (59,22%) e Belo Horizonte (51,32%) se destacam por terem mais da metade das cantinas oferecendo esse serviço.
Além disso, apenas 26,95% das cantinas implementam ações para incentivar a alimentação saudável. “Nos dados estratificados, identificamos que somente em Belo Horizonte, Campo Grande, Manaus, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Salvador e São Paulo mais da metade das cantinas desenvolvem iniciativas voltadas à promoção da alimentação saudável”, afirma Larissa Loures.
Publicidade e atuação de nutricionistas
Os pesquisadores constataram que 36,09% das cantinas utilizam ao menos uma estratégia de publicidade para alimentos in natura ou minimamente processados, enquanto 37,38% fazem publicidade de ultraprocessados.
Nos ambulantes ao redor das escolas particulares, a exposição de publicidade relacionada a alimentos minimamente processados foi de 86,8%, enquanto a de ultraprocessados atingiu 72,7%.
Além disso, apenas pouco mais da metade das cantinas (50,55%) conta com um nutricionista. A professora Larissa Loures destaca que a presença desse profissional nas escolas privadas contribui para a redução da comercialização de ultraprocessados.
Propostas e encaminhamentos
O projeto Caeb reúne dados sobre a comercialização de alimentos e bebidas em cantinas escolares e no entorno das escolas privadas, com o objetivo de embasar políticas que incentivem escolhas alimentares mais saudáveis pelos estudantes.
A pesquisa foi conduzida em parceria com o Instituto Vox Populi e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com apoio da ACT Promoção da Saúde, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), do Instituto Ibirapitanga e do Instituto Desiderata.
As escolas foram selecionadas por sorteio e a participação na pesquisa foi voluntária, mediante consentimento dos proprietários das cantinas e dos ambulantes. Os dados coletados incluíram informações sobre preços, disponibilidade e qualidade dos alimentos vendidos. Os estabelecimentos participantes receberão, gratuitamente, um diagnóstico sobre a comercialização de alimentos e bebidas em suas unidades.
“Esses dados serão tratados de forma confidencial e compartilhados apenas com os gestores dos estabelecimentos que responderam à pesquisa”, explica Larissa Loures.
O diagnóstico fornecerá um panorama detalhado do percentual de alimentos in natura, minimamente processados e ultraprocessados comercializados. Além disso, apontará áreas críticas e oferecerá recomendações para adequação às diretrizes nutricionais. Por fim, os participantes receberão um guia prático, em formato de e-book, para auxiliar na implementação de uma cantina mais saudável.”
Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press – 23/06/2016