Home Comentários Por que Bolsonaro insiste em manter o país dividido e em conflito

Por que Bolsonaro insiste em manter o país dividido e em conflito

9 de agosto de 2019, 23h11 | Por Carlos Lindenberg

by Carlos Lindenberg

O presidente Jair Bolsonaro costuma brincar com o que não deve. Ou às vezes fala sem pensar, não lhe importando as consequências de sua atitude. Há momentos que age para marcar posição, como no caso de levar a palácio a viúva do coronel Brilhante Ustra, o mais frequente nome entre os torturadores do país. Há momentos hilários, ainda que com um traço de humor negro, como a cena que ele protagonizou ontem ao pedir a assinatura do seu ministro da Justiça, Sérgio Moro, e depois leu em voz alta para gargalhada geral: Lula livre! Quer dizer, o presidente não parece medir as consequências do que diz. E faz piada com coisa séria.

Ainda ontem, ao explicar o que o ministro Sérgio Moro queria dizer com “excludente de ilicitude” aos jornalistas, o presidente, que ainda nesta semana brincou com os donos de jornais novamente um humor negro – dos quais cortou a chamada “publicidade legal”, editais de empresas com ações na Bolsa, mas ainda ontem ao se dirigir aos jornalistas Bolsonaro soltou duas pérolas inconcebíveis. A primeira ao dizer que o “excludente de ilicitude” significava que era uma forma de evitar os excessos como por exemplos excessos jornalísticos por que se não cortasse todos os jornalistas ali na entrevista estariam presos.

Ora, o que o presidente entende por “excessos jornalísticos”? Certamente não são vazamentos que o Intercept Brasil vem divulgando e que mostra o ex-juiz Sérgio Moro comandando a força-tarefa da Lava-Jato, quebrando com isso a imparcialidade do juízo original do processo. O que Bolsonaro deve entender por excesso jornalístico certamente é a publicação de tudo aquilo que não é de interesse do governo. Qualquer coisa que mexa com o governo e lhe cause algum incômodo. Perguntar, por exemplo, onde anda o Queiroz deve magoar profundamente o presidente. Questionar o governo sobre a devastação da Amazônia deve ser algo intolerável, algo assim como um crime de lesa-pátria.

Mas o presidente precisa colocar limites em seus comentários, os picantes – como brincou que Sérgio Moro iria fazer um troca-troca com o ministro de Meio-Ambiente, Ricardo Sales – ou os de mau-gosto simplesmente, como o que disse ontem aos jornalistas que tudo ficaria melhor para o meio-ambiente se os repórteres fizessem cocô dia sim, dia não. É certo que o presidente da República não descende de nenhuma linhagem fidalga – longe disso. É um homem simples, de formação rude, não passou de capitão, tendo sido considerado pele general Geisel como um “mau militar”, de forma que não se pode esperar do presidente Bolsonaro nenhum arroubo intelectual, nenhuma pérola literária, nenhum discurso com conteúdo, até porque ele ganhou a eleição com uma campanha simples, modesta até a descoberta dos 12 milhões de disparos nas redes sociais ou até o atentado repugnante que quase lhe roubou a vida – mas que também lhe deu a chance de não participar de nenhum debate no segundo turno, o que lhe fazendo bem do ponto de vista político.

De maneira que o presidente poderia oferecer essa outra face ao público – a de um político pouco falante, por exemplo, se não se descobrisse que na arena do jogo do poder radicalizado é sempre necessário que a um oponente de peso lhe seja oferecido um pior ainda. De modo que se possa romper toda possibilidade de diálogo racional entre pessoas com opiniões diferentes. É isso que Bolsonaro vem fazendo. A ele não interessa nenhuma possibilidade de diálogo, de pacificação interna do país, da construção de um pacto em que se possa estabelecer uma agenda mínima de prioridade para o país. Isso alias ele deixou bem claro no início da semana quando disse aos repórteres, todos jornais em sua maioria, que é preciso acabar com essa conversa, uma espécie de lenga-lenga, “por que eu ganhei a eleição, p…!”

Foto: Reuters

 

LEIA TAMBÉM

Envie seu comentário