Home Saúde Por que cultos religiosos são ambientes de ‘alto risco’ para Covid-19, na visão da ciência

Por que cultos religiosos são ambientes de ‘alto risco’ para Covid-19, na visão da ciência Na véspera da Páscoa, ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou realização de missas e cultos em todo o Brasil; decisão foi publicada neste sábado.

5 de abril de 2021, 16h45 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

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Por G1

Ambientes fechados, pouca ventilação, amplo contato entre fiéis, uso compartilhado de objetos, cantos litúrgicos.

Elementos como esses são comuns em celebrações religiosas, mas, no contexto da pandemia de covid-19 que vem assolando o mundo, podem representar também um “coquetel explosivo” para a disseminação do novo coronavírus, causando mais infecções e, portanto, mais mortes.

Dessa forma, a despeito da argumentação jurídica que baseia a decisão do ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), de liberar a realização de missas e cultos em todo o Brasil, do ponto de vista epidemiológico, ela “vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia”, diz à BBC News Brasil Denise Garrett, infectologista, ex-integrante do Centro de Controle de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos EUA e atual vice-presidente do Sabin Vaccine Institute (Washington).

“Celebrações religiosas são ambientes de alto risco. Temos vários relatos de surtos originados em locais de culto. Não somente por serem ambientes fechados, mas também pelas atividades desenvolvidas (orações, corais, canto) que propiciam liberação de partículas virais no ar”, explica.

“Então, do ponto de vista epidemiológico a reabertura de igrejas nesse momento da pandemia no Brasil, com altas taxas de transmissão e falência do sistema de saúde, é algo que vai contra qualquer medida de bom senso para preservar vidas e controlar a pandemia”, acrescenta.

Na decisão em caráter liminar (provisório), publicada no sábado (3/4), Nunes Marques aponta que Estados e municípios não podem editar normas que proíbam completamente celebrações religiosas presenciais como medida de enfrentamento à pandemia. A liminar ainda terá que ser analisada pelo plenário do Supremo, mas ainda não há data marcada para o julgamento.

Nas últimas semanas, o Brasil vem batendo seguidos recordes diários de mortes. Desde o início da pandemia, a covid-19 já infectou 13 milhões e matou mais de 330 mil no país.

Especialistas acreditam que se nada for feito para controlar o vírus, o número de mortos pode aumentar ainda mais.

Autoridades de saúde de todo o mundo destacam o perigo representado por reuniões em locais de culto para o controle da pandemia de covid-19.

Por exemplo, a Associação Médica do Texas considera “ir a culto religioso com 500 ou mais fiéis” como uma atividade de “alto risco”.

A entidade publicou no ano passado um gráfico em que apontou diferentes graus de risco de contágio por covid-19 que atividades cotidianas oferecem. Nesse ranking, que viralizou nas redes sociais, celebrações religiosas são as que oferecem maior perigo, similar a frequentar bares, estádios de futebol e shows.

Escala de risco em ambientes — Foto: BBC

Já o Departamento de Saúde do Estado americano de Illinois recomenda “fortemente”, em sua orientação para locais de culto e prestadores de serviços religiosos, que as congregações continuem a promover solenidades “remotas, especialmente para aqueles que são vulneráveis à covid-19, incluindo adultos mais velhos e aqueles com doenças crônicas”.

“Mesmo com a adesão ao distanciamento físico, várias famílias diferentes se reunindo em um ambiente congregacional para o culto carregam um risco maior de transmissão generalizada do vírus que causa a covid-19 e pode resultar em aumento das taxas de infecção, hospitalização e morte, especialmente entre as populações mais vulneráveis”, diz o órgão.

“Em particular, o alto risco associado a atividades como canto e recitação em grupo pode anular os comportamentos de redução de risco, como o distanciamento social”.

O próprio CDC americano, órgão do Departamento de Saúde responsável pelas diretrizes de combate à pandemia nos EUA, reforça em seu site que “participar de eventos e reuniões aumenta o risco de obter e disseminar a covid-19”.

“Milhões de americanos consideram o culto uma parte essencial da vida. Para muitas tradições de fé, reunir-se para adoração é a essência do que significa ser uma comunidade de fé. Mas, como os americanos agora sabem, as reuniões representam um risco de disseminação crescente de covid-19 durante esta Emergência de Saúde Pública.”

“Com a transmissão por aerossol, os chamados ‘protocolos de segurança’ em uso, não são efetivos. A menos que esses protocolos envolvam medidas de ventilação, para melhorar a qualidade do ar, são de pouca valia”, explica Denise Garrett.

“As partículas se acumulam no ar e circulam a uma distância muito maior do que a distância recomendada nesses protocolos. A máscara é muito importante, assim como o distanciamento social. Mas, em última análise, em um ambiente fechado, de má circulação, o risco é muito maior”, acrescenta.

Surtos

Desde o início da pandemia, relatos de surtos de Covid-19 em congregações religiosas se multiplicaram ao redor do mundo.

Na Coreia do Sul, um dos primeiros países atingidos pelo vírus depois da China, origem do surto, um grupo religioso foi identificado como “um viveiro de coronavírus”, quando o número de casos confirmados começou a se acentuar no país, em fevereiro do ano passado.

Na ocasião, a filial da Igreja Shincheonji na cidade de Daegu respondeu por 30 de 53 novos casos oficiais de coronavírus na Coreia do Sul, deixando autoridades alarmadas.

Casos semelhantes ocorreram na Malásia e na Alemanha.

Nos Estados Unidos, um culto em Kentucky resultou em um surto com três mortes e se espalhou por mais de 320 quilômetros de distância da igreja. No Arkansas, uma celebração religiosa com a participação de 92 fiéis terminou com 35 deles contraindo o vírus e três pessoas morrendo. Na Califórnia, 70 casos foram vinculados a uma única igreja.

Um bispo na Virgínia que prometeu continuar pregando “a menos que eu esteja na prisão ou no hospital” sucumbiu ao vírus. Em Idaho, um culto religioso realizado em maio do ano passado, violando a ordem executiva estadual, provocou 35 novos casos. Em Union County, em Oregon, pelo menos 99 novos casos foram confirmados somente no dia 15 de junho suspeitos de terem se originado de uma igreja que não seguiu as diretrizes de saúde pública.

Em um relatório de 12 de maio, o CDC descreveu o ensaio do coral em uma igreja como um evento de “supertransmissão” que infectou a maioria dos 61 participantes e causou duas mortes.

Brigas na Justiça

A discussão sobre o fechamento de locais de culto nos Estados Unidos devido à pandemia de covid-19 também chegou à Suprema Corte daquele país.

Em muitos casos, congregações religiosas citaram a Primeira Emenda e argumentaram ser “inconstitucional” restringir as celebrações religiosas, especialmente quando atividades consideradas “essenciais” pelo governo – como mercearias, lojas de bebidas e lavanderias – podiam permanecer abertas.

Isso fez com que o governo americano não incluísse locais de culto nas ordens de saúde pública geralmente aplicáveis.

“Por causa dessa falta de liderança nacional, casas de culto e outras instituições baseadas na fé estão na posição desafiadora de ter que buscar orientação de saúde pública por conta própria”, explica o Center for American Progress, organização de pesquisa e defesa de políticas públicas com sede na capital americana, Washington.

Em votação apertada, a Suprema Corte dos EUA acabou dando aos Estados alguma margem de manobra para determinar quando e como reabrir locais de culto com segurança durante a pandemia.

Na Inglaterra, os locais de culto chegaram a ser fechados durante o primeiro confinamento, mas depois foram autorizados a reabrir em junho – e permaneceram abertos no pior momento da pandemia, quando o número de mortes bateu recorde durante o inverno.

Apesar disso, tiveram que seguir regras rígidas, como uso de máscara, distanciamento social e número limitado de fiéis. Até o último dia 29 de março, durante as celebrações, não era permitido, por exemplo, interagir com “ninguém fora de sua casa ou de sua ‘bolha de apoio'”.

Mais recentemente, casamentos e funerais voltaram a ser autorizados, mas com número de participantes limitados (seis para casamentos e 30 para funerais até o próximo dia 12 de abril).

Na semana passada, um culto da Sexta-feira Santa (2/4) em uma igreja católica no sul de Londres foi encerrado por violar as restrições de bloqueio nacional, informou a polícia. Fiéis foram encontrados sem máscaras e sem praticar distanciamento social.

No Brasil, o ministro Nunes Marques intimou o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD-MG), a cumprir sua decisão que liberou a celebração de cultos e missas presenciais em todo o território nacional.

A intimação do ministro ocorreu após a Advocacia-Geral da União (AGU) entrar com uma representação no STF contra o prefeito.

Nas redes sociais, Kalil havia dito que não seguiria a decisão do Judiciário com base em entendimento coletivo do próprio STF.

“Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plenário do Supremo Tribunal Federal. O que vale é o decreto do prefeito. Estão proibidos os cultos e missas presenciais”, escreveu o prefeito, em sua conta no Twitter.

Kalil acabou por acatar a ordem Nunes Marques, mas disse que a prefeitura da capital mineira já entrou com recurso contra a decisão.

Decisão monocrática

Em sua decisão, de caráter monocrático, ou seja, tomada individualmente, sem levá-la ao órgão colegiado, Nunes Marques afirmou que “a proibição categórica de cultos não ocorre sequer em estados de defesa ou estado de sítio. Como poderia ocorrer por atos administrativos locais? Certo, as questões sanitárias são importantes e devem ser observadas, mas, para tanto, não se pode fazer tábula rasa da Constituição”.

“Ao tratar o serviço religioso como não-essencial, Estados e municípios podem, por via indireta, eliminar os cultos religiosos, suprimindo aspecto absolutamente essencial da religião, que é a realização de reuniões entre os fiéis para a celebração de seus ritos e crenças”, escreveu.

O ministro concedeu a liminar em uma ação da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), que contestou decretos estaduais e municipais que limitaram cultos e celebrações religiosas para tentar conter o coronavírus.

Relator do caso, Nunes Marques citou o transporte coletivo, mercados e farmácias como exemplos de serviços essenciais que continuam funcionando durante a pandemia. “Tais atividades podem efetivamente gerar reuniões de pessoas em ambientes ainda menores e sujeitos a um menor grau de controle do que nas igrejas”, escreveu.

“Daí concluo ser possível a reabertura de templos e igrejas, conquanto ocorra de forma prudente e cautelosa, isto é, com respeito a parâmetros mínimos que observem o distanciamento social e que não estimulem aglomerações desnecessárias”, escreveu o ministro.

Na decisão, Kassio Nunes Marques apontou que medidas sanitárias devem ser respeitadas durante as atividades religiosas. Entre elas estão: exigir uso de máscaras; afastamento mínimo de um metro e meio entre as pessoas; o ambiente deve ser arejado com portas e janelas abertas; limitar a lotação a 25% da capacidade; disponibilizar álcool em gel e medir a temperatura na entrada nos templos.

Em sua conclusão, o ministro defende que a atividade religiosa é essencial. “Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual.”

Kassio Nunes Marques foi indicado ao STF no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele assumiu a vaga do então decano da Corte, Celso de Mello.

Nesta semana de Páscoa, tanto a PGR (Procuradoria-Geral da União) quanto a AGU (Advocacia-Geral da União) pediram ao Supremo a suspensão de decretos municipais e estaduais que limitavam cultos religiosos.

Os dois órgãos são comandados pelo procurador-geral, Augusto Aras, e pelo advogado-geral da União, André Mendonça, respectivamente.

Ambos são cotados como fortes candidatos à indicação de Bolsonaro para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello, que vai se aposentar do STF em julho.

Analistas políticos apontaram os pedidos como uma forma da dupla ganhar força com o segmento evangélico, base de sustentação de Bolsonaro. Pastores de grandes igrejas evangélicas são críticos da suspensão de cultos como medida de enfrentamento da pandemia.

Foto: Getty Images/via BBC

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