Por Felipe Nunes
Depois de se transformarem nas protagonistas de um campeonato sem muita mudança na tabela, as pesquisas pagam hoje o preço pela fama que as projetou: o hiper foco na divulgação do placar, das intenções de voto. Em julho deste ano, no PodCast da Renata Lo Prete, ‘O Assunto’, eu alertava para o perigo que era olhar excessivamente para o placar, deixando passar o que acontecia durante o jogo: a posse de bola, o número de escanteios e os chutes a gol. Chegamos ao final do primeiro tempo e continuamos com foco excessivo no placar, mas o placar não revela a história do jogo.
Ao longo de toda a campanha, as pesquisas mostraram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha uma vantagem sólida, perto da metade dos votos. O presidente Jair Bolsonaro esteve sempre em segundo lugar, bem a frente dos outros concorrentes. A terceira via não se viabilizou. Tudo isso foi previsto pelas pesquisas. O que as pesquisas não conseguiram detectar foi a intensidade do crescimento dos votos no presidente Jair Bolsonaro na reta final. Este é um ponto de atenção que todos que trabalham com pesquisa precisam admitir, até para que as correções venham a tempo já para o segundo turno.
Para avaliar o trabalho da Quaest, começo com a velha máxima de que pesquisa não é prognóstico. Elas capturam movimentos e dinâmicas de opinião, que são usadas pelos próprios eleitores na hora da decisão final. Há dois exemplos muito claros nesta eleição.
O primeiro se deu na eleição em São Paulo. Entre segunda (26/9) e sábado (1/10), a pesquisa Genial/Quaest mostrou Fernando Haddad caindo de 40% para 35%, enquanto Tarcísio de Freitas crescia de 27% para 34%. Neste mesmo período, Rodrigo Garcia saiu de 26% para 23%. O resultado nas urnas mostrou Tarcísio com 42% e Haddad com 36%. Então a pesquisa errou?
Não! O eleitor antipetista paulista que estava com o Rodrigo Garcia e com os candidatos de menor intenção de voto foram dar apoio a Tarcísio, em um claro movimento de voto útil na tentativa de evitar a vitória de Haddad. Em São Paulo, a Quaest foi quem melhor identificou essa tendência de crescimento de voto em candidatos bolsonaristas, indicando vitória de Bolsonaro no estado e de seus candidatos ao governo e ao Senado.
O segundo exemplo foi na eleição do Rio. Na última semana da campanha, o candidato a reeleição se mostrou claramente competitivo para vencer a disputa no estado já no primeiro turno. Nos últimos 15 dias da eleição, a pesquisa Genial/Quaest mostrou Castro subindo de 42% para 48%, enquanto Freixo ia de 28% para 32%, não conseguindo decolar na cola de Lula. Neste mesmo período, o voto nos outros candidatos quase desapareceu, foram de 21% no dia 15/09 para 10% no dia 01/10. Nas urnas, Castro ganhou mais 11 pontos, que vieram de todos os outros concorrentes em um claro movimento de manada, no inglês, um ‘bandwagon effect’ – tendência de fazer o que outros estão fazendo.
Nem voto útil, nem voto de manada, indicam erro nas pesquisas. São comportamentos estudados pela psicologia política e compreensíveis justamente pelos dados coletados pela própria pesquisa.
Há ainda fatores, como a abstenção, que são mal captados pelas pesquisas e que definem o resultado, interferindo nas medidas de intenção de voto. Nos últimos anos, a abstenção tem sido maior entre eleitores de baixa escolaridade. Como neste ano a abstenção foi alta, tendo crescido no Nordeste, onde Lula tinha uma vantagem esperada muito grande em relação a Bolsonaro, isso pode afetar as estimativas de intenção de voto de uma forma não uniforme. A pesquisa Genial/Quaest de sábado estimava que Lula teria aproximadamente 71% dos votos no Nordeste, mas obteve 67%, enquanto a expectativa era a de que Bolsonaro tivesse 21%, mas obteve 27%. No Sul, onde a abstenção também cresceu, Bolsonaro conseguiu ir muito melhor do que se esperava: chegou a 55%, quando a expectativa era de 47%. Lula, por outro lado, deixou de ter os 39% estimados, para 37%. A abstenção de eleitores de baixa escolaridade também deve ter contribuído para a melhora do presidente, o que poderá ser checado nos próximos dias com a divulgação dos resultados consolidados por seção eleitoral.
O segundo ponto a se destacar é que as pesquisas medem muito mais do que as intenções de voto. Em uma eleição em que o incumbente está disputando a reeleição contra um ex-presidente, devemos prestar atenção especial à pergunta: quem merece uma segunda chance? A pesquisa Genial/Quaest da véspera mostrou que 44% dos eleitores diziam que Bolsonaro merecia uma segunda chance como presidente, enquanto 56% diziam que não. Ou seja, era impossível a vitória de Bolsonaro no primeiro turno, como ele chegou a declarar, mas era possível que ele tivesse um desempenho maior do que o declarado nas intenções de voto, que no sábado chegava a 38%. A mesma pesquisa mostrou que 44% achavam que Lula não merecia uma segunda chance como presidente, enquanto 56% diziam que sim. Ou seja, era possível que Lula vencesse no primeiro turno, como a sua campanha tentou encaminhar, mas para isso os eleitores de Ciro e Tebet tinham que abandoná-los no meio do caminho.
Bolsonaro teve aproximadamente 44% dos votos nas urnas e a soma de Lula, Ciro e Tebet deu aproximadamente 56%, uma reprodução exata do indicador de segunda chance que a Quaest monitorou de perto ao longo da disputa. Ou seja, não é provável que a amostra da pesquisa tenha superestimado pobres ou subestimado Bolsonaristas.
Como discutido publicamente durante a eleição, a Quaest optou pelo controle de renda na construção da amostra a partir dos dados oficiais da PNAD para evitar que houvesse uma superestimação de pobres na amostra, que poderia dar uma vantagem equivocada a Lula, o que não aconteceu na nossa pesquisa. Também como discutido publicamente, a Quaest optou por utilizar a variável voto no segundo turno de 2018 como benchmark, ou seja, utilizando-a como âncora de qualidade da amostra coletada. Ao longo de toda a eleição, mostramos que o percentual de eleitores de Bolsonaro em 2018 na amostra variou entre 53% e 59%, percentual que se aproxima ao resultado do presidente Bolsonaro nas urnas naquele ano (55%).
Mas quem são, então, esses 6% que diziam que Bolsonaro merecia uma segunda chance, mas não declaravam voto nele até a última pesquisa? Eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018, que diziam poder votar nele este ano, mas que não votariam em Lula de jeito nenhum. Estavam concentrados na região Sudeste, em especial em São Paulo e Rio, mas que desaprovavam o comportamento pessoal do presidente. Buscaram alternativas, passaram 1 ano à procura de uma opção competitiva, mas não a encontraram. Na reta final, não viram outra opção que não fosse a de dar forças ao movimento para fortalecer o candidato que tinha mais chances de derrotar Lula. Movimento parecido, por exemplo, com o que foi feito por Sergio Moro, que esteve com Bolsonaro em 2018, buscou ser uma alternativa, mas não conseguindo sê-lo ou encontrá-la, acabou cerrando fileiras com Bolsonaro na reta final. Esse reposicionamento de votos antipetistas na reta final de campanhas presidenciais não é novidade. Alckmin, Serra e Aécio foram beneficiados por esse mesmo movimento nas eleições de 2006, 2010 e 2014.
Um terceiro ponto a avaliar o desempenho das pesquisas com scores de diferença está simplesmente errado. Os norte-americanos fazem isso porque seu sistema eleitoral é bipartidário. Ou seja, a distância da estimativa de votos e o resultado eleitoral de um candidato é oposto a distância em relação ao outro candidato. Em um sistema multipartidário, como é o Brasileiro, esse tipo de avaliação por scores binários leva a conclusões bizarras e equivocadas. No exemplo abaixo, embora a pesquisa B tenha acertado quem vai vencer o primeiro turno e quem vai ficar em segundo lugar, ela tem o mesmo score de erro da pesquisa A, que mostrou o resultado inverso ao das urnas.
Há quem hoje celebre ter apresentado estimativas muito próximas ao resultado das urnas, segundo esses scores, mesmo tendo estimativas erradas para a eleição nacional e nos estados. Os institutos que ‘acertaram’ Lula, ‘erraram’ Bolsonaro, os que ‘acertaram’ Bolsonaro, ‘erraram’ Lula. Isso aconteceu porque houve mudanças do eleitor em relação aos demais candidatos, não porque houve erro maior ou menor das pesquisas. A avaliação dos institutos, portanto, deveria ser a partir de sua capacidade de responder às perguntas que interessam ao público, não a partir de scores que não se adequam à realidade do sistema eleitoral multipartidário brasileiro.
É inegável que o placar final do jogo não foi totalmente antecipado pelas pesquisas. Ninguém foi capaz de dizer ao mesmo tempo, por exemplo, qual seria o percentual de votos de Lula, de Bolsonaro, Ciro e Tebet. Alguns capturaram os votos de Lula, mas não anteciparam os de Bolsonaro; outros, revelaram a votação de Bolsonaro, mas erraram a de Lula. No entanto, as pesquisas publicadas pela Quaest mostraram como o jogo terminou. Lula terminou em primeiro, a menos de 2 milhões de votos de vencer no primeiro turno, e Bolsonaro ficou em segundo, bem a frente dos outros concorrentes. A terceira via não se viabilizou. Tudo isso foi previsto pelas pesquisas. No RJ e em SP, a pesquisa Genial/Quaest conseguiu mostrar ainda o crescimento de Bolsonaro na reta final, bem como o crescimento de Marcos Pontes e Tarcísio. Em MG, a mesma pesquisa mostrou a tendência de queda de Lula na última semana e a consolidação de Zema no primeiro turno. No RJ, a pesquisa foi a única a conseguir mostrar a possibilidade de Castro vencer no primeiro turno e o crescimento de Bolsonaro às custas de votos em Ciro e nos demais nomes.
O segundo tempo do jogo acaba de começar. Ao invés de focar exclusivamente no placar, a história recente recomenda prestar mais atenção aos detalhes do jogo. O medo da volta do PT, o merecimento de uma segunda chance e a rejeição pessoal dos candidatos são 3 indicadores que farão toda a diferença neste novo ciclo de disputas entre dois homens que buscam uma segunda chance para provar ao Brasil que podem ser melhores.
Foto: Reprodução