Por Estado de Minas
Desde a instalação da CPI da COVID, o presidente Jair Bolsonaro intensificou a escalada de ataques a medidas de restrição tomadas por governadores para combater o coronavírus.
O movimento chegou ao auge na quarta-feira passada, com a ameaça de editar decreto para garantir o “direito de ir e vir” que, disse ele, em recado ao Supremo Tribunal Federal (STF), “não será contestado por nenhum tribunal”.
Em entrevista ao Correio Braziliense, publicada ontem, o ministro Edson Fachin, do STF, chamou a atenção para “o populismo totalitário” que ronda a democracia brasileira. Alertou que as instituições no país estão sob ameaça e defendeu a união em torno de um projeto suprapartidário. “Precisamos sair da crise sem sair da democracia”, propôs.
No Congresso, parlamentares veem a retomada de manifestações contra o Legislativo e o Judiciário, como a de produtores rurais, marcada para sábado, como uma confirmação do alerta feito por Fachin. “O que presenciamos, hoje, demonstra que o governo tem o objetivo de tensionar a relação entre os Poderes, desestabilizar as instituições e buscar apoio entre a sociedade para conseguir um fechamento autoritário do Congresso e do Supremo”, frisou o deputado Rogério Correia (PT-MG). “Além disso, ele desvia o foco da CPI com argumentos absolutistas e autocráticos e joga a culpa para outras autoridades.”
Segundo o deputado, se não houver um freio nessa atitude do presidente, o país pode chegar às eleições do ano que vem com uma sociedade ainda mais polarizada, o que vai refletir em protestos contra os resultados do pleito presidencial. “O Congresso tem remédios, e um deles é o impeachment. Quem não fizer nada para barrar o que está acontecendo será cúmplice dessa tentativa de golpe”, enfatizou.
Deputados frisam que, desde a instalação da CPI, Bolsonaro não só tem disparado críticas ao colegiado como tem inflado os apoiadores, sobretudo nas redes sociais, a questionar o processo conduzido por senadores. A atitude dele contribui para que voltem a ocorrer mobilizações em frente ao Congresso e ao STF pedindo o fechamento das duas instituições.
Parlamentares também criticam o fato de Bolsonaro ter retomado a ofensiva contra as políticas de isolamento social e fechamento do comércio definidas por estados e municípios e, sobretudo, as declarações do presidente de que publicará um decreto impedindo a adoção das medidas. “Esse decreto, o Supremo não pode contestar. O Supremo é defensor da Constituição. Se eu baixar o decreto, será cumprido. Todos os ministros vão cumprir”, afirmou o presidente, na semana passada. Esse posicionamento do chefe do Planalto, inclusive, tem sido o combustível das mais recentes manifestações feitas por apoiadores do governo.
O protesto de sábado, por exemplo, cujos temas principais são o fechamento do STF e o fim das medidas restritivas, ganhou apoio de Bolsonaro. “No dia 15, pessoal, está todo mundo convocado. Eu vou lá para o meio da rua com o pessoal do campo. O pessoal do agronegócio está tomando Brasília, e vou estar lá no meio deles”, avisou, após um passeio de moto pela cidade, no domingo, com grupos de motociclistas. No evento, ele deu apertos de mão e abraços e tirou selfies. Na imagem postada pelo mandatário nas redes sociais, é possível ver aglomeração e várias pessoas sem máscara ou fazendo uso inadequado do item de segurança. O chefe do Planalto ainda disse que fará atos semelhantes em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, se for convidado.
O deputado Alex Manente (Cidadania-SP) defendeu o direito de manifestação dos produtores rurais, mas repudiou que o ato tenha uma pauta antidemocrática como base. “Eu respeito as instituições e a democracia. Acredito que todos têm direito de manifestar aquilo que acham ser o melhor, mas, quando isso ultrapassa o limite da verdade, do pensamento e da opinião, tem de ser punido. Sou contrário a qualquer atitude que possa diminuir as instituições brasileiras ou fechar qualquer papel representativo na democracia”, ressaltou.
Voto
Outro indicativo de ameaça à democracia seria a insistência de Bolsonaro em desacreditar as eleições, colocando o processo eletrônico sob suspeição. Na semana passada, por exemplo, ele enfatizou que se o Congresso aprovar voto impresso, será a maneira de realização do pleito de 2022, ou “não terá eleição”. “Ninguém mais aceita esse voto que tá aí. A única republiqueta do mundo que aceita isso daí é a nossa. Se o Parlamento brasileiro aprovar e promulgar, vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Se não tiver voto impresso, não vai ter eleição”, ressaltou.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, reagiu a essa declaração do chefe do Planalto. “O presidente deixou patente seu desejo de que não tenhamos eleição em 2022. Como Bolsonaro nunca foi um admirador da democracia, muito pelo contrário, é bom que fique claro para ele que as instituições vão garantir o processo eleitoral e sua lisura. Quer ele queira, ou não”, postou nas redes sociais.
Reação institucional
A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) também é a favor de uma reação das demais instituições. Ela lembrou que, diariamente, Bolsonaro desrespeita as recomendações da ciência contra a COVID-19 e incentiva atitudes que favorecem a proliferação do vírus.
“Todo dia ele descumpre a Constituição e outras leis, em uma clara afronta ao Legislativo e ao Judiciário. Quando esse tipo de atitude acontece e nenhuma providência é tomada, um pedaço da democracia vai para o ralo. O Parlamento, portanto, tem de acordar para isso e tomar alguma atitude”, destacou.
Já o deputado governista Otoni de Paula (PSC-RJ) criticou declaração do magistrado do STF. “Fachin acha grave a ‘visão personificada do povo em contraste com as instituições’. Ele acha que o povo deveria admirar mais o STF que o presidente Bolsonaro?”, escreveu nas redes sociais. “Como, se vocês estão desonrando a instituição, transformando-a, segundo Ives Gandra, no maior partido de oposição ao PR/Brasil?”, questionou.
Foto: Evaristo Sá/AFP