Por G1
A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, teve grande dificuldade para avançar em 2020 com o programa federal de privatizações. Em dois anos de governo, nenhuma estatal de controle direto da União foi vendida e muitos dos leilões de concessão ou de parceria com a iniciativa privada previstos para o ano foram adiados ou cancelados.
Em novembro, Guedes admitiu estar “bastante frustrado” por ainda não ter conseguido vender uma estatal. Na ocasião, ele afirmou que “acordos políticos” no Congresso têm impedido as privatizações.
Em 2020, apenas 9 projetos federais da carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) foram anunciados como concluídos. Em janeiro, o governo previa leiloar ao menos 64 projetos.
O governo ainda conta com a conclusão de mais 8 projetos até o final do ano, incluindo o leilão de 11 lotes de linha de transmissão de energia marcado para esta quinta-feira (17). Ainda assim, o número total no ano não será nem a metade do registrado em 2019, quando foram realizados 36 leilões. Veja no gráfico abaixo:
“O ano de 2020 foi de frustração porque existia uma expectativa – mais do governo até do que do próprio mercado. Eu diria que houve uma inabilidade, inaptidão e falta de capacidade mesmo dos principais atores do governo para tocar essa agenda”, afirma o economista Fernando Camargo, sócio-diretor da LCA Consultores.
A lista de promessas frustradas no ano inclui, entre outros, o leilão do 5G (tecnologia que promete conexões ultra-rápidas de internet e que vem sendo alvo de disputas entre EUA e China), 22 aeroportos, 6 rodovias, 3 parques, 2 ferrovias e a venda de estatais como Eletrobras, Casa da Moeda e Ceagesp.
Quando assumiu o cargo, Guedes estimou que a privatização das estatais poderia render mais de R$ 1 trilhão para os cofres públicos – valor considerado superestimado pelos analistas.
Mesmo após o choque trazido pela pandemia do novo coronavírus, Guedes pretendia fazer ao menos quatro grandes privatizações em 2020: Eletrobras, Correios, Porto de Santos e Pré-Sal Petróleo S.A. Em agosto, afirmou que o governo anunciaria “três ou quatro grandes privatizações” em até dois meses.
Nenhuma estatal de controle direto da União, no entanto, foi vendida até o momento. Além disso, o presidente Jair Bolsonaro decidiu se posicionar conta a privatização de empresas federais incluídas no PPI, como Casa da Moeda e Ceagesp.
O programa de privatizações do governo prevê a venda de estatais, além de projetos de concessão, arrendamento e outros modelos de parceria em diferentes áreas como transportes, defesa, óleo e gás, energia, mineração e até parques nacionais e florestas.
Ao todo, são mais de 200 ativos federais atualmente na carteira em diferentes áreas como transportes, defesa, óleo e gás, energia, mineração e até parques nacionais e florestas, além do apoio a projetos subnacionais (municipais e estaduais) em saneamento, resíduos sólidos, iluminação pública e gás natural.
A nova meta da equipe econômica é realizar 104 leilões em 2021, incluindo 9 privatizações, entre as quais Eletrobras e Correios, além de 25 projetos de estados e prefeituras. Se os projetos saíram do papel, a expectativa é que resultem em mais de R$ 371 bilhões em investimentos ao longo dos anos de contrato. Veja no quadro abaixo:
No dia 11 de dezembro, o Ministério da Economia anunciou também um programa para acelerar a venda de imóveis da União e tentar levantar R$ 110 bilhões até 2022. No início do ano, Guedes havia dito que o governo poderia vender R$ 1 trilhão em imóveis para abater dívida.
O ministro continua defendendo a desestatização como medida para baixar a dívida pública e, com isso, economizar no pagamento de juros, que somam de R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões por ano.
Segundo dados do Tesouro Nacional, o governo detém 46 empresas estatais de controle direto e 160 de controle indireto – a maioria delas subsidiárias da Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil.
O que saiu do papel em 2020
No ano, até o momento, foram considerados concluídos apenas 9 projetos da carteira do programa de desestatizações. São eles:
- 1 ferrovia (renovação da concessão da Rumo-Malha Paulista)
- 1 rodovia (concessão da BR-101/SC)
- 2 terminais portuários (arrendamentos de áreas em Santos)
- 1 óleo e gás (2º Ciclo de Oferta Permanente de áreas de exploração)
- 1 mineração (1ª Rodada da Disponibilidade de Áreas)
- 2 liquidações de empresa pública (Companhia de Armazéns e Sios do Estado de Minas Gerais- CASEMG e Companhia Docas do Maranhão – CODOMAR
- 1 autorização de dissolução societária (início da desestatização da Ceitec)
Embora inicialmente a intenção fosse vender Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), o governo publicou no dia 15 de dezembro decreto autorizando a dissolução societária da estatal que atua na área da indústria de microeletrônica. Na prática, a medida dá início ao processo de liquidação da Ceitec, após conclusão de que não haveria interesse de mercado pela empresa.
“Entre 2010 e 2018, o Tesouro Nacional precisou repassar cerca de R$ 600 milhões ao Ceitec a fim de cobrir os seus custos. Mesmo com o recebimento de recursos públicos, a companhia registrou prejuízo acumulado, no mesmo período, de R$ 160 milhões”, informou o PPI, em comunicado em seu site com o título “Desestatizações Avançam!”.
No dia 15, foram recebidas propostas de seis grupos interessados na concessão dos Parque Nacional de Aparados da Serra (RS) e do Parque Nacional da Serra Geral (SC). A disputa, porém, só deverá ser concluída no dia 11 de janeiro, quando serão conhecidas as propostas econômicas.
O que o governo prevê realizar até o fim de 2020
- 3 ferrovias (renovações da EFVM e EFC, e projeto da Ferrovia de Integração Centro-Oeste – FICO)
- 4 terminais portuários (arrendamentos de áreas em Paranaguá/PR, Maceió/AL e em Aratu/BA)
- 1 leilão de energia (11 lotes de linha de transmissão)
Caso todos esses projetos sejam concluídos até o final do ano, a estimativa do PPI é que o programa de privatizações e concessões feche o ano com a contratação de cerca de R$ 39 bilhões em investimentos e uma arrecadação de R$ 4,7 bilhões, considerando também os projetos subnacionais.
Em 2019, 1º ano do governo Bolsonaro, os 36 leilões de realizados no âmbito do PPI – a maioria deles estruturado ainda no governo de Michel Temer – garantiram investimentos da ordem de R$ 446,2 bilhões e uma arrecadação de R$ 90,7 bilhões aos cofres públicos.
O que foi adiado ou cancelado
Levantamento do G1 a partir dos cronogramas divulgados pelo PPI mostra que, dos 64 projetos que estavam previstos no começo do ano para saírem do papel em 2020, ao menos 50 foram adiados e 5 tiveram o andamento suspenso ou cancelado.
Entre os leilões de infraestrutura que foram adiados para 2021 estão o do 5G, rodovias BR-153/080/414/GO/TO, BR-163/230/MT/PA, Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e 22 aeroportos divididos em 3 blocos regionais.
Dois leilões de geração de energia também foram suspensos em razão da pandemia de coronavírus.
O leilão do terminal de passageiros de Mucuripe (CE) foi abortado e segue sem novo cronograma em razão do abalo da crise da Covid-19 no setor de turismo e, por extensão, na atratividade do projeto.
Ao longo do ano, o governo também desistiu de buscar um sócio privado para a conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3, paralisadas há anos.
A privatização da Casa da Moeda foi em definitivo para a gaveta. Em setembro, Bolsonaro anunciou que a estatal não será mais privatizada no seu governo, tendo em vista informações que teve de outros países que “a privatizaram e depois voltaram atrás”.
Em outubro, o governo também recuou e decidiu revogar em menos de 24 horas um decreto que autorizava o Ministério da Economia a realizar estudos sobre a inclusão das unidades básicas de saúde (UBSs) no programa de privatizações.
Outro revés no programa de privatizações foi a decisão do consórcio vencedor do leilão da Lotex de se retirar do processo de concessão, após ter pedidos não atendidos pela Caixa Econômica Federal e pelo governo. A Lotex foi a primeira concessão federal no setor de loterias e era tratada como um teste para uma maior abertura do mercado de jogos.
Já o projeto de privatização da Ceagesp, inicialmente previsto para ser concluído em 2020, foi retirado dos cronogramas e apresentações divulgadas pelo PPI. No dia 15, Bolsonaro afirmou que não vai deixar que “ratos sucateiem” e “privatizem” a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo.
O G1 procurou o Ministério da Economia e solicitou esclarecimentos sobre o status e futuro da Ceagesp no PPI. A pasta respondeu que “não vai se manifestar sobre o assunto”.
Agenda de privatização tem avanços nos estados
Entre os destaques do ano, estão projetos de desestatização estaduais e municipais nas áreas de iluminação pública, saneamento básico e distribuição de energia.
Em outubro, a concessão dos serviços de abastecimento de água e esgoto da região metropolitana de Maceió rendeu um pagamento de R$ 2 bilhões em outorga. Já a concessão de esgotamento sanitário dos municípios de Cariacica e Viana, no Espírito Santo, garantiu R$ 580 milhões em investimentos.
No dia 4 de dezembro, a privatização da CEB Distribuição – braço da Companhia Energética de Brasília, marcou a retomada no país dos leilões de venda de estatais do setor de energia após 2 anos sem avanços e de impasses sobre a venda da Eletrobras. A empresa foi vendida por R$ 2,51 bilhões, 76,63% acima do valor mínimo fixado pelo edital.
Para 2021, são esperadas as privatizações das empresas estaduais CEA (Amapá), CEEE-D e CEEE-GT (Rio Grande do Sul), MSGás, Sulgás, além das concessões de companhias estaduais de saneamento no Rio de Janeiro, Acre e Porto Alegre, cujos processos estão sendo estruturados sob a coordenação do BNDES.
“Para a maioria dos estados, essa é uma pauta que está andando melhor, que depende de menos costura política. Tá pintando um caminho de privatização para Cedae no Rio de Janeiro e acho que isso pode acontecer também com as elétricas Cemig e CEEE”, avalia Camargo.
Expectativas e desafios
Apesar dos adiamentos de diversos leilões e das incertezas em torno da venda de estatais, os analistas destacam que a agenda de concessões e parcerias público-privado segue com boas perspectivas, com ampliação do número de projetos em estruturação e de áreas a caminho de uma maior abertura de mercado.
Para o advogado Alberto Sogayar, sócio da área de infraestrutura do L.O Baptista Advogados, a consequência positiva da frustração de expectativas em 2020 é que o mercado de infraestrutura tende a ficar “aquecido a partir do ano que vem”.
“O represamento desses investimentos gera a expectativa de que haverá grande esforço deste governo para que eles ocorram no próximo biênio (21/22)”, avalia. “Há grande expectativa na privatização ainda em 2021, dos grandes ativos, tais como Eletrobras, Nuclep, Ceagesp, Correios, Telebras, CBTU e Trensurb”, acrescenta.
A privatização mais aguardada continua sendo a da Eletrobras, que é avaliada em cerca de R$ 60 bilhões. Mas, como os Correios, também depende de provação de projeto no Congresso Nacional para ter seu controle transferido para o setor privado.
“Acho difícil que a privatização da Eletrobras aconteça em 2021 por conta da tramitação da atualização legislativa no Congresso. Dependerá muito da capacidade do governo em impulsionar essa agenda no Congresso”, afirma o especialista em infraestrutura Fernando Vernalha, sócio do escritório VGP Advogados.
Na área de concessões, as maiores e mais aguardadas são o leilão do 5G, ainda envolto por dúvidas sobre eventual restrição para a tecnologia chinesa, a relicitação da rodovia Dutra, o leilão de mais 22 aeroportos, marcado para março de 2021, e a concessão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), prevista para abril.
Em meio à perspectiva de recuperação lenta da economia em 2021 e de uma necessidade cada vez maior de fontes extras de recursos e de medidas para o reequilíbrio das contas públicas, a avaliação do mercado é que a agenda de privatizações possa enfrentar menor resistência.
A taxa de investimento em percentual do PIB (produto Interno Bruto) vem registrando sucessivas quedas nos últimos anos e encerrou o 3º trimestre em 16,2%. Em 2013, chegou a superar 21% do PIB. Já são 7 anos seguidos de déficit fiscal, ou seja, com as despesas do governo superando as receitas de impostos e contribuições, o que tem feito o país ficar mais dependente do setor privado para garantir uma retomada dos investimentos.
“A pressão para se ter mais investimentos vai ser brutal. Em 2021 não vai ter da onde fazer a economia tracionar. Então vai estar todo mundo de olho em infraestrutura e em agenda de investimento privado, mas que depende de um empurrão público”, afirma Camargo.
Foto: Divulgação/Ministério da Infraestrutura