Por G1
Proibidos pela propaganda eleitoral, outdoors têm sido usados em 2022 para associar a esquerda – ou, diretamente, o ex-presidente Lula (PT) – a termos como como “censura”, “crime organizado” e “drogas”.
A lei nº 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, veda a propaganda eleitoral em outdoors, inclusive eletrônicos. Os responsáveis pela instalação e os beneficiários da propaganda – partidos, coligações ou candidatos –, se for comprovado que tinham conhecimento da iniciativa, podem ser obrigados a fazer a retirada imediata dos painéis irregulares e a pagar multa de R$ 5 mil a R$ 15 mil.
Painéis desse tipo foram denunciados à Justiça Eleitoral em ao menos 8 estados – Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Tocantins –, segundo levantamento do g1 nos Diários da Justiça Eletrônicos dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).
As artes dos outdoors seguem um padrão: de um lado, a foto do presidente Jair Bolsonaro (PL) acompanhada de termos considerados positivos pelos autores, como “povo armado”, “vida”, “valores cristãos” e “liberdade”; na outra metade do painel, uma foto de Lula ou símbolos ligados à esquerda, como a foice e o martelo, associados a termos como “povo desarmado”, “aborto”, “ideologia de gênero” e “censura”. Em geral, a comparação é acompanhada por expressões como “você decide” ou “a escolha é sua”
Os responsáveis pelas peças que foram identificados afirmam que costumam se organizar em grupos em redes sociais e promover “vaquinhas” para financiar os painéis. Alguns deles são ou já foram filiados a partidos políticos, e dizem que os painéis foram encomendados de forma espontânea e não fazem parte de ação coordenada.
O g1 também consultou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para saber se havia um levantamento nacional sobre esse tipo de painel. A Corte informou que recebeu, em 2022, 25 denúncias de painéis com conteúdo político, proibidos por lei. Desses, 11 divulgavam mensagens pró-Bolsonaro, 11 continham ofensas ao ex-presidente petista, um fazia críticas à esquerda e dois comparavam os candidatos – sendo Lula definido de forma pejorativa e Bolsonaro, exaltado.
A reportagem também consultou as Procuradorias Regionais dos estados e do DF, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE). Não foi possível determinar se os outdoors foram fruto de iniciativas relacionadas entre si.
Na internet, comparação circula pelo menos desde 2021
Imagens com comparações entre esquerda e direita ou entre Lula e Bolsonaro circulam na internet ao menos desde o final de 2021, meses antes da onda de outdoors se espalhar pelo Brasil.
Em uma publicação de maio deste ano no Twitter, o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), um dos principais aliados de Bolsonaro no sul do país, reproduz os termos. Ele nega, porém, tratar-se de uma ação coordenada. À reportagem, Nunes disse que a arte circula na internet há muito tempo e não soube determinar sua origem. “Não tem um autor definido, ficou na rede. Alguns modificavam um pouco e postavam”, afirmou.
Ao contrário do que acontece no caso dos outdoors, a propaganda política na internet é permitida. O advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, explicou que eleitores comuns podem apoiar candidatos por meio de postagens nas redes sociais: “Comparar é parte da crítica. ‘Um é melhor que o outro, um fez mais que o outro’. Se não houver calúnia, injúria, difamação ou informações falsas, não tem problema”.
Entretanto, cidadãos não podem impulsionar conteúdo de propaganda política – impulsionamento é o nome dado ao aumento do alcance de uma publicação nas redes sociais, serviço que pode ser solicitado pelos usuários e que geralmente é pago.
Somente candidatos e partidos podem impulsionar publicações, desde que não tragam menções negativas a adversários políticos, mesmo que fundamentadas. Críticas a concorrentes são permitidas, mas estes posts não podem ser impulsionados, informou Rollo.
A legislação estabelece que a Justiça Eleitoral poderá determinar a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sites da internet, inclusive redes sociais, sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis aos responsáveis.
Quanto custa e o que diz a associação do setor?
Os valores para a instalação de outdoors mudam de acordo com a região: os outdoors simples – 3m de altura por 9m de largura – variam de R$ 700 a R$ 3 mil. Fabi Soriano, diretora-executiva da Central de Outdoor, entidade de classe que representa empresas do setor, explica que o preço é menor em cidades menos populosas, mas alcança a casa dos milhares em grandes capitais.
Soriano disse que a associação recomenda a todas as empresas afiliadas que não produzam peças com teor político “pela proibição da propaganda eleitoral, pela polarização e para que o discurso de ódio não seja ainda mais estimulado”.
Veja os casos identificados e o que sabe sobre os responsáveis
Goiás
De acordo com o TRE-GO, foi registrado um outdoor na cidade de Luziânia. Segundo a decisão do tribunal, publicada em 24 de agosto, o painel atribuía a Bolsonaro atributos como “honestidade” e “progresso”, enquanto a outra opção, retratada em fundo vermelho e com o símbolo da foice e do martelo, era ligada a termos como “roubo”, “fome” e “escravidão”. A identidade dos responsáveis pelo outdoor é desconhecida.
Mato Grosso
Um outdoor foi instalado na cidade de Comodoro, a 677 km de Cuiabá. A Justiça determinou a retirada da peça. Segundo o TRE, o responsável pela organização da vaquinha que custeou a instalação do painel foi Antônio Carmos Pinheiro de Oliveira, ex-vereador e funcionário público do município. Procurado pelo g1, ele negou envolvimento no caso. À reportagem, o responsável pela gráfica que confeccionou o outdoor afirmou que o painel foi pago por um grupo de 30 pessoas, mas não as identificou.
Minas Gerais
Em Muzambinho, foram registrados ao menos dois outdoors que comparavam Lula e Bolsonaro, atribuindo ao primeiro termos como “corrupção” e “pacto com diabo” e ao segundo, “verdade” e “família”. A Justiça determinou a retirada do material. À reportagem, Mateus Coimbra, apontado como um dos responsáveis pelos outdoors, informou que os painéis foram colocados após uma vaquinha realizada por ele e um grupo de amigos.
Outro caso no estado foi registrado em Itajubá. Segundo a decisão do TRE que determinou a retirada da peça, o outdoor possuía “nítido conteúdo eleitoral e induzia o eleitor a crer que, nas eleições de 2022, existiriam apenas dois lados: Bolsonaro e a esquerda, representada por Lula”. O g1 entrou em contato com a gráfica responsável pela produção do outdoor e não teve retorno até a publicação desta reportagem.
Pará
A existência de outdoors comparando Lula e Bolsonaro foram denunciados em Xinguara e Tucumã, ambas no sudeste paraense. A denúncia aponta como responsável pelas placas o deputado estadual Delegado Caveira (PL-PA). O g1 entrou em contato com ele, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Rio Grande do Sul
Em Porto Alegre, dois painéis gigantes foram instalados em paredes externas de edifícios em diferentes partes da cidade, com texto associando a esquerda à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), ao narcotráfico e à censura. Atendendo a pedido do Ministério Público, a Justiça Eleitoral do RS determinou a retirada das propagandas.
A responsável pela instalação dos painéis foi identificada como sendo a empresária Nair Berenice da Silva, simpatizante de Bolsonaro. O g1 tentou contato com Nair por diversos canais, mas ela não respondeu até a publicação desta reportagem.
Rondônia
A Justiça Eleitoral de Rondônia determinou a retirada de oito outdoors em Ariquemes que continham imagens e a comparação entre Lula e Bolsonaro, contrapondo termos como aborto e censura a vida e liberdade, conforme descreve a decisão judicial.
Antonio Aparecido Custódio, apoiador do atual presidente, confirmou que encomendou a instalação de outdoors deste tipo na cidade. Ao g1, ele disse que instalou as peças porque quer “um Brasil melhor”.
Outros três painéis com as mesmas características foram identificados dias depois em Rolim de Moura e novamente em Ariquemes.
Um dos responsáveis pelos outdoors em Rolim de Moura, o microempresário Celson Santos, disse à reportagem que organizou um grupo com cerca de 50 apoiadores de Jair Bolsonaro, moradores de diversas cidades da região, para custear a instalação de quatro painéis pelo valor de R$ 8 mil. Celson afirmou que se inspirou em artes encontradas na internet para criar seu outdoor, adicionando o nome da cidade na imagem.
São Paulo
Em março, Leandro Alves, apoiador do atual presidente e candidato a deputado estadual pelo Partido Social Cristão (PSC), instalou em Franca, no interior do estado, um outdoor que compara Bolsonaro ao comunismo. Alves confirma ter sido o responsável pela instalação do painel e diz que encontrou na internet a imagem que foi utilizada.
Tocantins
Em Palmas, ação do Ministério Público Eleitoral pediu a retirada de dois outdoors que comparavam Lula e Bolsonaro, associando o primeiro a palavras como “bandido solto”, “obras em Cuba” e “mais impostos”, enquanto a imagem do segundo era ligada a termos como “valores cristãos”, “liberdade” e “agro forte”. Ao final, aparece a expressão “Você decide”.
O TRE determinou a retirada dos painéis e determinou que o MPE avalie pedir o pagamento de multa no valor entre R$ 5 mil a R$ 15 mil, limites estabelecidos por lei, à empresa responsável pela veiculação da propaganda irregular. A defesa da gráfica apontada como responsável pelo outdoor nega ter realizado o serviço. A identidade dos responsáveis pelo outdoor é desconhecida.
Redutos bolsonaristas
As cidades onde foram identificados outdoors favoráveis a Bolsonaro e contrários à esquerda ou a Lula – com a exceção de Porto Alegre no 1º turno – tiveram proporção de votos no atual presidente maior do que a que ele alcançou na média nacional.
Como foi feito o levantamento
Além da pesquisa nos TREs, a reportagem também consultou as Procuradorias Regionais dos estados e do DF, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE).
A assessoria do Ministério Público Federal (MPF), ao qual a PGE está vinculada, afirmou que o órgão “acompanha atentamente casos de propaganda irregular nas eleições”. Sobre outdoors que opõem direita e esquerda ou candidatos específicos, informou que “a Procuradoria-Geral Eleitoral acompanha alguns procedimentos extrajudiciais. No entanto, não há na PGE, até o momento, ações judiciais sobre o tema”.
Questionado sobre a possibilidade de haver algum tipo de coordenação ou ação articulada na instalação dos outdoors de propaganda eleitoral pelo país, o TSE informou que “não pode se manifestar sobre casos que podem vir a ser objeto de julgamento pela Corte Eleitoral.”
Foto: Arte/g1