Novo ministro, Marcelo Queiroga, quer visitar hospitais, mas não é para confortar as famílias, não. É para saber in loco se os doentes estão morrendo mesmo é de Covid-19. E deverá fazer isso, essa contagem funesta, já a partir de terça-feira, quando terá tomado posse. É inacreditável. Nem seu antecessor, o ainda ministro Eduardo Pazuello, um general do Exército que presta continência a um ex-capitão, ousou tanto, e parece tão subserviente quanto o general, porque uma ideia dessas só pode ter saído da cabeça do presidente da República, ele que já duvidou que tantas mortes – 287 até ontem, 19/03- pudessem ter sido provocadas pelo coronavírus, desconhecendo as estatísticas certamente do resto do mundo. Aliás, nesse quesito o Brasil é campeão. É o que tem o maior número de mortos por milhão de habitantes.
A pergunta é inevitável. Por que morrem tantos brasileiros nessa pandemia? Há várias razões para isso. Primeiro, o Brasil custou a comprar vacinas e se não fosse o governador de São Paulo, João Dória, certamente não teríamos ainda vacina, porque a Fiocruz só começou a entregar o primeiro lote nessa semana que se finda. Depois, o maior erro que o Brasil, leia-se, Bolsonaro cometeu foi em 2020 quando, no meio do ano passado, fabricantes de imunizantes anunciaram que estavam desenvolvendo vacinas e vários países, como o Chile, Colômbia, Reino Unido e integrantes do da União Europeia negociaram a compra desses produtos ainda na fase de testes. O Brasil não fez como outros países e ainda recusou um acordo proposto pela Pfizer que garantiria 70 milhões de vacinas já em dezembro. A partir daí os erros foram se repetindo a tal ponto que a certa altura o presidente Bolsonaro disse que o seu governo não tinha porque procurar os laboratórios, mas eles é que deveriam procurar o governo dado o gigantismo do país. Ora, enquanto o governo federal desdenhava as vacinas, o Instituto Butantan e a Fiocruz resolveram negociar com a China, o primeiro, e com a Oxford, o segundo. Não fosse isso, o Brasil não teria vacina para ninguém, porque só agora o país está comprando da Pfizer, depois de dispensar a do Butantan, no maior vexame que já se viu pela televisão, quando Bolsonaro desautorizou a negociação com o Butantan, feita pelo general Pazuello, e no dia seguinte foi visita-lo para ouvir alto e bom uma declaração do então ministro da Saúde que ficará na história das situações ridículas que se ouviu. Foi quando Pazuello explicou que no governo é assim: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Aliás, na ordem inversa, quem teve juízo saiu antes de obedecer ao presidente, como foi o caso de Henrique Mandetta e de Nelson Teich, sendo substituídos por Pazuello que agora sai no momento em que o Brasil se aproxima dos quase 300 mil mortos – um legado e tanto para quem disse um dia que no governo manda quem pode e obedece quem tem juízo – e não é por acaso que está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal , por omissão.
O fato é que a crise sanitária cresce, o desemprego aumenta, a economia vai demorar a entrar nos eixos, enquanto o novo ministro vai aos hospitais contar quem morreu. Não menos absurdo é o fato de o presidente da República entrar no STF para impedir o isolamento social e pedir o cancelamento das ordens dadas pelos governadores para o lockdown que obriga o fechamento do comércio não essencial, única forma de evitar que o número de mortos cresça de maneira exponencial – caso entre outros de Minas Gerais, cujo governador, por sinal, é um aliado de Bolsonaro e cujas ordens vinha cumprindo até semana passada quando resolveu também aderir ao toque de recolher das oito da noite às cinco da manhã. Essa medida, aliás, foi interpretada pelo presidente Bolsonaro como equivalente a um “estado de sítio”, um equívoco absoluto, de tal forma, que na tarde desta sexta-feira o presidente do Supremo Tribunal Federal ligou para o presidente da República para tomar satisfações e perguntar se seria necessária a volta dele a Brasília. Bolsonaro disse que estava questionando a orientação dos governadores no STF e que esperava uma posição. Essas pataquadas de Bolsonaro são ditas, às vezes de propósito, quando ele vai ao encontro dos seus seguidores, normalmente um grupo de fanáticos, muitos em desespero de causa, e acaba falando o que é mal interpretado e postado em redes sociais ligadas ao próprio governo. Ao que parece, apesar da gravidade da crise, não há sinais de um possível “estado de sítio” no ar. Até por que não parece que o Congresso, que tem de ser ouvido, daria autorização para um ato de força dessa magnitude. O que existe de fato é uma pandemia, que afeta a economia e cria um estado de pânico, mas nada que um presidente da República com pinta de estadista, o que não é o caso, não possa resolver.
Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil