Por DCM
O líder indígena Ailton Krenak foi eleito nesta quinta (5) para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele teve 23 votos entre os acadêmicos, contra 12 da historiadora Mary Del Priore e quatro do rival Daniel Munduruku.
Krenak ganhou destaque nos últimos anos com a trilogia composta por “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, “A Vida Não É Útil” e “Futuro Ancestral”. Essas obras apresentam seu pensamento de forma acessível, adaptados de palestras e textos curtos, que contribuíram para popularizar cosmogonias indígenas.
Antes da eleição, Krenak concedeu uma entrevista a Gilberto Maringoni no Domingão do DCM falando sobre as traduções internacionais de seus livros, tecendo algumas críticas ao governo Lula e sugerindo “reparação histórica” ao integrar um indígena na Academia Brasileira de Letras.
Veja os principais trechos.
“Reparação histórica que eu espero que aconteça na ABL”
Quero comentar essa história política do povo indígena no Brasil. Essa tragédia que, ao mesmo tempo, também reafirma a presença da diversidade de povos originários e a sua capacidade de resistir. Isso continua sendo afirmativo de um jeito de estar no mundo.
Há diferentes ações e atividades que eu me envolvi na minha vida até agora. E elas são coerentes com a biografia de uma pessoa que quer cumprir uma trajetória de uma pessoa indígena
Eu fui tardiamente reconhecido como escritor, mas publiquei em vários países. Os meus livros são traduzidos em 19 países do mundo. Outro dia alguém me falou que era 10. Estou corrigindo a informação. Publico em 19 países, inclusive na Coreia [do Sul], onde estão produzindo um novo livro.
Também estou na Turquia, na Grécia, no Japão. Sou traduzido em lugares onde os brasileiros em geral não conseguem ter as suas obras publicadas. Fico muito honrado com isso. Cheguei na Europa inteira.
Obras nos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Meu livro traduzido na Argentina. Sou lido na América Latina inteira.
Meu livro publicado em Portugal teve edição em língua portuguesa como se nós não falassemos português. Parece piada de português, né? Eles compraram da editora Companhia das Letras o direito de traduzir meu livro para o português. Até parece que eu escrevi em chinês. É muito curioso.
É sobre a possibilidade de uma pessoa ser plural. Representa o que Mário de Andrade falava disso. Eu sou 300. Eu não preciso ficar distinguindo quando eu escrevo, quando eu falo, quando eu atuo como cidadão. Isso é a ideia de uma cidadania plural, de uma cidadania ampla.
A possibilidade da Academia Brasileira de Letras ter um indígena finalmente naquele colegiado de Senhores, e muito recentemente de algumas senhoras, eu já sondei isso dizendo que vai ser uma reparação histórica.
Uma reparação histórica daquela Academia Brasileira de Letras acolher a literatura indígena. Uma reparação histórica que eu espero que aconteça. E se eu for a pessoa que vai abrir essa precedência, maravilha.
Estou pronto para isso. Se for em outra pessoa, maravilha também.
Que façam isso com a dignidade merecida.
“Não podemos separar o mundo entre os idiotas e os de esquerda”
Golpe e contra golpe. Olha onde é que nós vamos parar. Está parecendo que a gente tá no ringue de luta livre e depois querem que a gente entenda que nós estamos numa república, que tem democracia.
Acho que a gente esteve à beira de uma guerra civil até o ano passado. A gente escapou disso, mas a gente não pode achar que nós estamos folgados.
Não é isso que a gente ainda chama de esquerda. Precisamos calibrar o termo. A gente está chamando de esquerda coisas que são totalmente incoerentes propostas e ações totalmente incoerentes com qualquer ideia historicamente percebida como esquerda.
Hoje tem gente se fantasiando de tudo por aí, inclusive alguns fascistas fantasiados de esquerda. A gente tem que pensar, porque estamos muito abalados com tudo que aconteceu. E estamos achando que quem não sai com a bandeira amarela enrolado no corpo pedindo golpe militar é de esquerda. Não é isso não, gente.
É uma questão também de um pouco de dignidade. Tem pessoas que não se meteram nisso porque tem dignidade.
Eles não são de esquerda, só que eles também não são idiotas. A gente não pode separar o mundo entre idiotas e esquerda.
Existe gente no meio que não é nenhum dos dois, tá?
“Criaram o ministério dos Povos Indígenas sem dar orçamento”
A criação de um ministério para tratar da questão indígena e ter na frente desse ministério uma mulher indígena é a novidade que veio na praia. Igual aquela história da sereia na música do Gilberto Gil.
Gil fala que uma sereia apareceu numa praia. Muita gente olhava para aquela sereia. Uns achavam que ela era uma deusa e admiravam a beleza. E outros pensavam em fazer um churrasco com ela numa ceia.
Esse Ministério dos Povos Indígenas que o Lula criou também instaura uma espécie de situação dramática interna no governo. A maioria dos colegas da ministra [Sonia Guajajara] não coopera com o princípio da república.
Em tudo eles sabotam ela internamente no governo. Assim que foi criado o Ministério dos Povos Indígenas. Alguém tirou a responsabilidade institucional de promover a demarcação e a homologação da terra indígena, que era algo que acontecia no gabinete do Ministro da Justiça.
Historicamente, desde o governo Sarney, é o Ministério da Justiça que autoriza e manda a Força Nacional, despacha a Polícia Federal para cima dos fazendeiros garimpeiros. E quem faz essas ações que hoje são feitas em conjunto pelo Ibama e pela Polícia Federal.
Isso tem custo. Você não tem uma ação da Polícia Federal sem pagar diária, você não tem sem pagar aluguel de avião e hospedagem. Tem um custo uma operação dessa e autorização do orçamento do Ministério da Justiça e do gabinete da Presidência da República.
Eles criaram o ministério. E jogaram tudo isso para cima da mesa da ministra dos Povos Indígenas, só que eles esqueceram de dar esse orçamento para ela.
Como é que aquela ministra vai mandar forças armadas para algum lugar se ela não tem dinheiro para pagar o combustível dos aviões? E as diárias dessas ações? Algumas delas são publicadas no Diário Oficial. Dá para você saber que não é barato. É caro uma viagem dessa e a outra questão é a questão da hierarquia.
Como é que a ministra dos Povos Indígenas vai ativar uma força armada que não respeita para retirar invasores de terra.
Eu desejo boa sorte a quem assumiu esse tamanho de responsabilidade junto com o presidente Lula.
Aquela subida na rampa foi muito simbólica. E essa república combalida ganhou muito com aquela imagem passando pelo mundo inteiro.
Porque a imagem que havia antes era um sujeito sem educação liderando o Brasil.
Veja a entrevista na íntegra.
Foto: Reprodução/DCMTV/YouTube