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Sai um Bolsonaro e entra um ator – a pantomina continua.

1 de abril de 2020, 13h32 | Por Carlos Lindenberg

by Carlos Lindenberg

O que se viu ontem em cadeia nacional de rádio e televisão foi um presidente da República mais centrado, menos raivoso, menos dogmático até mesmo em relação ao placebo hidroxicloroquina, ao qual ele se apegava como se fosse o único remédio do mundo para combater o novo coronavírus, um medicamento perigoso, inclusive, de forma que Bolsonaro ontem não foi mesmo o Bolsonaro dos quatro pronunciamentos anteriores em que chegou a dizer que se ele pegasse o vírus da morte para ele seria apenas uma gripezinha.

Foi um pronunciamento mais sensato, ponderado até quando pediu a união de todos, governadores, prefeitos e sociedade para enfrentar o que ele chamou abre aspas de maior desafio de nossa geração fecha aspas.

Era esse Bolsonaro que o país queria ver, ainda que ontem à noite ele não tivesse, ao que parece, muita clareza sobre o caminho a seguir, ora falando em salvar vidas ora falando em não perder empregos, ora, quando se sabe que a primeira condição é a de não perder vidas, como recomenda a Organização Mundial da Saúde, já que a economia pode e deve ser recuperada ato continuo, como aliás falou ontem o ministro Paulo Guedes.

De forma que o presidente, ao que tudo indica, rendeu-se a uma realidade. O que se pergunta, Eustáquio e Júnior, é o que teria feito o presidente mudar de ideia, já que ontem de manhã ele não apenas repetiu o que vem dizendo como até jogou alguns de seus seguidores, aquela meia-dúzia que fica esperando ele sair , contra a imprensa que também o aguarda para fazer o seu trabalho diário. Esse pessoal é sempre hostilizado por Bolsonaro. Há algumas explicações para essa mudança de tom e de rumo. Primeiro é que Bolsonaro está se isolando no exercício do poder, como, aliás, eu falei aqui ontem. Perdeu a docilidade do Congresso, perdeu força no Supremo Tribunal Federal, perdeu o apoio dos governadores e da maioria dos prefeitos das grandes cidades e agora está sendo alvo de uma provável investigação criminal no Supremo por infringir o artigo 268 Código Penal, o que poderia abrir a porta para um afastamento dele do cargo. Coisa pouco provável, mas …

De forma que essa seria uma explicação para a mudança de tom e o apelo para a união do país em busca de um só objetivo: tirar o Brasil desse sufoco, como aliás vem fazendo o resto do mundo. De forma que a mudança veio em boa hora, ainda que muitos achem um pouco tardia. Penso que não. O importante é a retomada desse esforço hercúleo de salvar vidas neste primeiro momento, aliás, vem fazendo aqui o governador Romeu Zema. A vida, sempre, em primeiro lugar. Mas no meio do pronunciamento, as grandes cidades explodiram num panelaço como nunca visto neste período de coronavírus.

Mas o presidente Bolsonaro não se emenda. Logo nesta manhã de quarta-feira, alguém mandou para Bolsonaro um vídeo da Ceasa de Belo Horizonte vazia, como se estivesse desabastecida. Claro que o vídeo não refletia a realidade, até porque foi feito no sábado passado. Tao logo o vídeo foi ao ar, postado pelo próprio Bolsonaro, que voltou a criticar os governadores – aos quais fez um chamamento à união ontem à noite – o site do Ministério da Agricultura mostrava que o abastecimento é normal em todo o país e o helicóptero da Rede Globo sobrevoou a Ceasa mostrando movimento de carros e caminhões. Ou seja, Bolsonaro voltava a ser o Bolsonaro das semanas anteriores quando criticava a posição dos governadores e dos prefeitos, defendia a retomada da economia e pregava contra o isolamento horizontal, o que põe as pessoas dentro de casa como medida para não fazer sucumbir o sistema de saúde. O presidente sequer checou a autenticidade do áudio nem mandou alguém verificar a sua procedência, apenas colocou no ar com ataque aos governadores. Era o autêntico Bolsonaro. O de ontem à noite era outro. A qual deles o país deve seguir?

Foto: Evaristo SA / AFP

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