Por CNN
O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz defendeu a postura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua batalha travada contra o Banco Central e o alto patamar de juros no país. Para ele, as taxas altas não se justificam nem no Brasil, nem nos Estados Unidos, porque as causas da inflação em ambos os casos não serão combatidas com mais aumentos de juros.
“O presidente Lula está absolutamente certo sobre sua visão sobre como as altas taxas de juros reais enfraquecem a economia e as taxas de juros reais brasileiras são muito, muito altas”, disse Stiglitz em entrevista exclusiva à CNN, em evento em Paris organizado pelo Iris (Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas), em parceria com a a Icrict, organização independente que defende reforma internacional sobre taxação de empresas, da qual o economista é vice-presidente.
Na semana que vem, o Nobel de Economia chegará ao Brasil para participar de um seminário realizado pelo BNDES e a Fiesp, justamente sobre os impactos dos juros na economia. A defesa de que o atual patamar das taxas é contraprodutivo deve dar o tom da sua fala.
Stiglitz também afirmou que “está surpreso” que o Sillicon Valley Bank (SVB) seja um dos únicos bancos que faliram, diante do aumento recente dos juros americanos.
“Quando o Fed aumenta taxas tão rapidamente quanto aconteceu, de uma forma imprevista como foi, na verdade, estou surpreso que este seja o único banco que faliu e, claro, agora há mais alguns que faliram.”
Questionado sobre qual seria a real dimensão do problema, ele falou que é impossível saber por que não há transparência e não se sabe até que ponto os balanços de bancos são enganosos.
Stiglitz afirmou que a crise do SVB expôs uma outra importante fragilidade do sistema: a possibilidade de clientes sacarem seu dinheiro em milésimos de segundos, o que pode provocar corrida aos bancos. “A tecnologia moderna introduziu um novo elemento de fragilidade em nosso sistema financeiro e eu não tenho certeza de que os testes de estresse e a maneira como pensamos no sistema financeiro levam em consideração essas fragilidades”, afirmou.
Stiglitz foi laureado com o prêmio Nobel de Economia em 2001 por sua pesquisa sobre a assimetria do mercado. Ex-economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Econômicos no governo Clinton, ele é um forte crítico do pensamento liberal e da teoria de Adam Smith sobre a mão invisível e a autorregulação do mercado, segundo a qual os mercados funcionam de maneira ótima, sem a necessidade de intervenção do Estado. Em coluna no jornal britânico The Guardian, em 2002, escreveu que a “razão pela qual a mão invisível é invisível é porque ela não existe ou, quando existe, está paralítica”
Ele também faz parte do clube de economistas adeptos da visão da “economia do gotejamento” (trickle-down economics), que defende que não necessariamente o enriquecimento dos mais ricos vai “gotejar” para os mais pobres. Stiglitz diz que as últimas décadas provaram que quando o bolo da economia cresce, nem todos se beneficiam, já que o crescimento pode ser desigual.
No evento do Icrict, Stiglitz defendeu que impostos mais progressivos permitiriam aos governos resolver problemas fiscais e financiar serviços públicos de maior qualidade para todos. Além de corrigir injustiças, como o fato de os pobres serem muito mais taxados que os ricos, como no Brasil, o que provoca a raiva da população, que passa a não acreditar mais na democracia.
Confira a seguir a entrevista na íntegra:
CNN: Quais são as suas impressões sobre a crise desencadeada pelo Silicon Valley Bank?
Joseph Stiglitz: Primeiro, está muito claro que nosso sistema bancário precisa ser mais fortemente regulamentado. Os bancos menores, e era um banco bem grande, a segunda maior falência da história, então não é um banco muito, muito pequeno, deveria ter sido melhor regulado e submetido a testes de estresse.
Vocês sabem, cidadãos comuns, quando estão administrando uma empresa, ou indivíduos, e colocam seu dinheiro no banco, têm uma expectativa de que em um país civilizado você possa receber seu dinheiro de volta. E a expectativa é que o governo esteja regulando os bancos para garantir que isso aconteça.
Ainda assim, aprovamos um projeto de lei, que não tão forte quanto eu gostaria, em resposta à crise financeira de 2008, chamado Lei Dodd-Frank, que forneceu melhores estruturas regulatórias. Mas então, o Federal Reserve, sob a atual presidência, decidiu, oh, não precisamos de regulamentos para bancos como o SVB. Por que eles chegaram a essa decisão? Todos nós sabemos a resposta: lobby, interesses especiais…Eles queriam ter a liberdade de apostar com o dinheiro depositado e é isso que eles conseguiram.
Então, na minha opinião, o fracasso do Fed em regular é fundamental para esta crise. Mas em segundo lugar, quando o Fed aumentou os juros, na magnitude que tem elevado, para além da normalização – é importante normalizá-los-, mas continuar indo além disso, cria uma situação em que era inevitável, quase inevitável, que houvesse um problema em algum lugar no sistema econômico.
Nós chamamos isso de problemas de incompatibilidade de vencimentos, isso muda as operações a termo, os bancos estão comprometidos com a transformação de vencimentos – então é muito provável que em algum lugar do sistema alguém assuma uma posição de títulos de longo prazo versus títulos de curto prazo. Quando o Fed aumenta os juros taxas tão rapidamente quanto aconteceu, de uma forma imprevista como foi, na verdade, estou surpreso que este seja o único banco que faliu e, claro, agora há mais alguns que faliram.
Quantos bancos podem estar na mesma situação?
A resposta é que não sabemos, porque não temos transparência e quem sabe onde os balanços dos bancos nos enganam? Mas a falência do SVB, o quebrado SVB, expôs outra fraqueza que não foi totalmente explorada, que com a tecnologia moderna indivíduos, empresas, podem sacar seu dinheiro da noite para o dia, não da noite para o dia, em um segundo, em um milissegundo.
Quando você coloca na cabeça de alguém, que tem quantias significativas de dinheiro em um banco – e as diferenças nas taxas de juros de um banco em relação a outro são minúsculas – e você acha que há uma pequena chance de o banco ter um problema, você tira seu dinheiro, não custa nada para tirar o seu dinheiro.
E se tudo estiver bem, você pode colocar seu dinheiro de volta. Portanto, a tecnologia moderna introduziu um novo elemento de fragilidade em nosso sistema financeiro e eu não tenho certeza de que os testes de estresse e a maneira como pensamos no sistema financeiro levam em consideração essas fragilidades.
CNN: Qual é a dimensão real desse problema? De qual nível de crise estamos falando?
Bem, eu acho que o que o governo dos EUA fez realmente colocou essas preocupações em boa parte de lado, porque disse que mesmo aqueles que têm depósitos maiores que US$ 250 mil serão recuperados.
Agora o que precisamos é transformar isso em lei, para que todos os depositantes estejam seguros de que não há necessidade de corrida. Se todos estiverem seguros, não haverá esses tipos de corridas, isso colocará o ônus sobre a autoridade reguladora para fazer as regulações e não teremos esse tipo de corridas.
Agora, se fizermos isso, podemos cobrar um pequeno prêmio para quem toma o risco, e é obrigação do governo equilibrar esse prêmio com o risco que é imposto pelo sistema bancário, mas essa é a solução óbvia que temos que chegar muito rapidamente.
CNN: O senhor fala sobre aumentar a taxação sobre os mais riscos, regular mais os bancos e o mercado. Mas essas propostas encontram muita resistência. Seria factível realizar isso na prática?
Acho que a verdadeira questão aqui é fazer nossas democracias funcionarem. Se você perguntar: a maioria dos americanos quer um sistema bancário estável? A resposta é obviamente sim.
Mas se você perguntar aos banqueiros se eles querem ter a oportunidade de apostar com o dinheiro das pessoas, com cara eu ganho coroa você perde, que foi a base da Crise de 2008, obviamente os bancos vão preferir a fórmula “cara eu ganho coroa você perde”.
Portanto, temos que perceber a influência que os banqueiros tiveram na nossa política. Portanto, se pudermos restaurar a democracia e fazer com que os indivíduos votem e se tivermos líderes políticos que reflitam os interesses dos cidadãos e não os interesses do dinheiro, se tentarmos tirar a influência do dinheiro na política – não completamente, sabemos que isso não vai acontecer -, mas menos influência, aí eu acho que temos uma chance de obter impostos mais progressivos, um sistema financeiro melhor regulado, um sistema financeiro que funcione melhor, uma economia que funcione.
CNN: Na semana que vem o senhor vai participar de um evento do BNDES e da Fiesp no Brasil. O que deve se destacar em sua participação e como o senhor vê a briga de Lula com o Banco Central sobre juros?
O presidente Lula está absolutamente certo sobre sua visão sobre como as altas taxas de juros reais enfraquecem a economia e as taxas de juros reais brasileiras são muito, muito altas.
Eu tenho criticado muito o que o Federal Reserve tem feito, defendo que foi desnecessário para conter a inflação, que as principais fontes de inflação vieram do lado da oferta, dos choques relacionados à pandemia e à guerra, e as principais mudanças também são relacionadas à pandemia, que os choques se resolveriam, não perfeitamente, e não rapidamente, mas na verdade aumentar as taxas de juros foi contraproducente.
Você sabe, por exemplo, uma importante fonte de inflação nos Estados Unidos é o déficit habitacional e o principal efeito da elevação dos juros é aumentar esse déficit habitacional, agravando o problema. Também alertei que o aumento das taxas de juros arrisca todos os tipos de sistemas e problemas nos sistemas financeiros globais e agora vimos exemplos disso não apenas no aumento das taxas e problemas de dívida em países em desenvolvimento, mas o SVB, Silicon Valley Bank, quebrando e colocando sob pressão o banco que é fonte de financiamento de 50% das startups americanas.
Portanto, esta política de aumentar as taxas de juros reflete um diagnóstico errado da fonte da inflação, a resposta errada que vai ter um efeito significativamente adverso para a economia.
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