Uma liminar para proibir a Prefeitura do Rio de Janeiro de buscar e apreender obras na Bienal do Livro foi concedida pelo desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, do Tribunal de Justiça fluminense. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, determinou a organizadores do evento que recolhessem os exemplares, que contém a imagem de um beijo entre dois personagens masculinos, porque de acordo com o político, o livro tem conteúdo impróprio para menores.
O pedido do Sindicato Nacional dos Editores de Livros foi atendido pelo desembargador nessa sexta-feira (6), e impõe uma derrota à administração do prefeito Marcelo Crivella (PRB). O sindicato acionou a Justiça sob a alegação de que a Bienal do Rio é um evento cultural relevante, que expõe alguns livros que “espelham os novos hábitos sociais, sendo certo que o atual conceito de família, na ótica do Supremo Tribunal Federal, contempla várias formas de convivência humana e formação de células sociais”.
Em pronunciamento nas redes sociais nessa quinta-feira (5), Crivella afirmou que a história em quadrinhos traz “conteúdo sexual para menores” e deve ser comercializada apenas se embalada em um plástico preto e lacrado, “com aviso sobre seu conteúdo”.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a ordem de Crivella foi um “ato arbitrário” e não justificado. “A tentativa de recolhimento da obra em quadrinhos “Vingadores: A cruzada das crianças”, sob o argumento de que violaria o Estatuto da Criança e do Adolescente, não se justifica, já que inexiste na capa da publicação qualquer reprodução de ato obsceno, nudez ou pornografia. O conteúdo da obra tampouco infringe as normas vigentes, visto que as famílias homoafetivas são reconhecidas legalmente no Brasil desde 2011, estando alinhadas com as garantias constitucionais do cidadão”, disseram as instituições em nota.
A obra, de autoria de Allan Heinberg e Jim Cheng, aborda a equipe dos Jovens Vingadores. Entre os integrantes, dois membros do grupo são namorados: Wiccano e Hulkling. A edição, que não é nova, foi lançada em 2010, e era oferecida em “saldões”. O livro não é destinado ao público infantil, porém, antes da manifestação de Crivella, vereadores da cidade haviam pedido seu recolhimento da Bienal, sob a alegação de que poderia “despertar a atenção” de crianças presentes no evento.
Nessa sexta-feira (6) a Secretaria Municipal de Ordem Pública promoveu fiscalização para identificar e lacrar livros com “conteúdo impróprio”. Mas nenhuma obra irregular foi identificada, pois o livro esgotou nas prateleiras após o pedido de recolhimento de Crivella na noite anterior.
A Bienal do Livro também se posicionou a respeito e não aceitou a censura. A organização descartou recolher ou lacrar A Cruzada das Crianças, afinal, seu conteúdo não é impróprio ou pornográfico.
“Este é um festival plural, onde todos são bem-vindos e estão representados. Inclusive, neste fim de semana, a Bienal do Livro terá três painéis para debater a literatura Trans e LGBTQA+. A direção do festival entende que, caso um visitante adquira uma obra que não o agrade, ele tem todo o direito de solicitar a troca do produto, como prevê o Código de Defesa do Consumidor” diz a nota.
A Defensoria Pública do Rio criticou a decisão de Crivella e disse que pedirá para ingressar como pedido de amicus curiae (parte interessada) no mandado de segurança preventivo impetrado pelos organizadores da Bienal perante a Justiça Estadual.
“É inadmissível que, em pleno estado democrático de direito, obras literárias sejam censuradas e atacadas. A Defensoria Pública reafirma seu compromisso com a defesa da democracia e da liberdade de expressão”, diz nota emitida pela Defensoria.
Foto: Gabriel Paiva/O Globo/Reprodução