Home Brasil Vendido como “verde”, lítio da canadense Sigma afeta indígenas e quilombolas no Jequitinhonha

Vendido como “verde”, lítio da canadense Sigma afeta indígenas e quilombolas no Jequitinhonha

3 de agosto de 2023, 16h55 | Por Carlos Lindenberg

by Carlos Lindenberg

Por Observatório da Mineração

Na propaganda, o lítio extraído pela mineradora canadense Sigma no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, é vendido como “verde”, “sustentável” com “zero químicos”, “zero água potável”, “zero rejeitos” e “100% de prosperidade” para a região.

Na realidade, indígenas e quilombolas ouvidos pelo Observatório da Mineração contam uma história diferente. Comprometimento do abastecimento de água, poluição sonora, poluição do ar, inflação causada pela atividade da mineradora, aumento da violência e ameaças a áreas de proteção.

“A Sigma vem causando impactos na questão hídrica, cultural, na paisagem, na fauna, na flora, estamos percebendo isso na nossa comunidade”, elenca Cleonice Pankararu, liderança que vive na aldeia Cinta Vermelha de Jundiba, às margens do rio Jequitinhonha, habitada pelos povos Pankararu e Pataxó.

Anunciado com pompa pelo governo de Minas Gerais, o Ministério de Minas e Energia e executivos de mineradoras em evento em Nova York em maio, o “Vale do Lítio”, como tentam rebatizar o Jequitinhonha, virou um novo centro de atração de empresas multinacionais para extrair esse mineral que é usado massivamente em carros elétricos e em energias “renováveis”.

Empresas canadenses, lideradas pela Sigma, tomaram conta da região, que concentra 85% das reservas brasileiras de lítio. Os impactos socioambientais, porém, costumam ficar bem escondidos por trás de uma camada espessa de marketing.

O desequilíbrio ambiental notado por Cleonice já é amplo. Ela relata que infestações de morcegos estão acontecendo, levando ao temor da possível transmissão de doenças. Abelhas também estão desorientadas, relata, com enxames que indicam as consequências da “ação predatória” da empresa.

“As grutas, cavernas, o local onde eles (morcegos) se alimentavam, as frutas, árvores e flores, tudo isso sofre impacto da mineração porque a mineradora usa muita explosão. É muito movimento, barulho de caminhões, carros, funcionários, houve uma mudança terrível na região”, conta Cleonice Pankararu.

O abastecimento de água potável com carro pipa, que antes a comunidade contava, foi afetado porque a Sigma fechou acordo com o fornecedor que, recebendo muito mais da multinacional, agora não quer atender os indígenas e quilombolas, não renovando o contrato e deixando faltar água.

O fluxo intenso de pessoas de fora para Araçuaí já mudou a dinâmica da cidade e gera inflação que se reflete no preço dos aluguéis. Alunos indígenas e quilombolas que moram na área rural e estudavam na cidade não conseguem mais pagar aluguel e muitos estão desistindo de estudar, mesmo no Instituto Federal da cidade, um centro de excelência. O custo de vida, dos alimentos e do transporte acompanham. Algo que não aparece na propaganda. “Tudo subiu de preço e começou a piorar depois que a Sigma e suas terceirizadas chegaram aqui”, relata Pankararu.

Dança dos Praiá no terreiro Sagrado, Aldeia Cinta Vermelha de Jundiba. Foto: Arquivo Pessoal

Outro aspecto comumente negligenciado pela doutrina do desenvolvimento com a qual se justifica a expansão de extração de lítio, além dos impactos sociais e ambientais, é a questão espiritual.

Para os Pankararu, por exemplo, as serras, chapadas e árvores são protetoras da espiritualidade do povo. Os indígenas agora convivem com o medo da destruição de locais sagrados e da devastação ambiental de áreas onde coletam raízes para fazer remédio e frutos para artesanato. O impacto espiritual e psicológico da atividade mineradora é relevante.

“A empresa destrói o solo e o subsolo. Nós indígenas sentimos muito. Para a gente o patrimônio material e imaterial, o natural e o sobrenatural são indissociáveis e inseparáveis. Uma pedra tem valor, uma gruta tem valor, um riacho, uma nascente. Tudo isso é muito importante para nossa vida, nossa orientação, nossa cultura, organização social e espiritual”, afirma Cleonice Pankararu.

A líder teme que a extração de lítio avance para dentro do pequeno território de 60 hectares que luta pela demarcação e homologação pela Funai. Até hoje, somente a identificação da área foi feita, em 2012. Os indígenas reivindicam a ampliação da área para 600 hectares, o que seria o mínimo suficiente para que as famílias trabalhem melhor a terra, criem os animais e recupere áreas degradadas com práticas que envolvem a permacultura e a agroecologia.

Cabana do Terreiro do Sol – Mayão. Foto: Arquivo Pessoal

A pressão sobre comunidades como a de Cinta Vermelha de Jundiba se explica pelo crescimento exponencial do mercado de veículos elétricos, por exemplo, que dependem do lítio para as suas baterias.

Mais de 10 milhões de carros elétricos foram vendidos no mundo em 2022 e a expectativa é que esse número cresça 35% este ano, alcançado 14 milhões de unidades, segundo a Agência Internacional de Energia. Atualmente, a participação dos carros elétricos no mercado automotivo já é de 14% e pode chegar a 18% em 2023.

Foto: Divulgação/Sigma Lithium

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