Por Marina Spínola/Diário do Comércio
No início do mês de fevereiro, meu irmão caçula me tirou o sono. CEO de uma empresa de médio porte na fronteira da Hungria com a Ucrânia, ele decidiu viajar para a unidade fabril, mesmo com a invasão militar russa ao país vizinho alguns dias antes. Na mesma hora, me vieram à mente as cenas de guerra e destruição transmitidas pela TV e, inevitavelmente, o medo de perder meu irmão para uma guerra no leste europeu tomou meu coração.
Cheguei a cogitar se não seria melhor adiar a viagem até que a situação se definisse melhor. Mas ele estava convencido da necessidade de estar com os colegas e colaboradores naquele momento de tanta criticidade. E, portanto, durante uma semana, passava 10 horas por dia na fábrica, conversando com as pessoas sobre os desafios e os medos do momento e, depois do expediente, dirigia um carro até a fronteira para levar doações da própria empresa – e também de amigos e colegas – para as milhares de pessoas, maioria de mulheres e crianças, que chegavam de trem ou a pé em busca de refúgio.
Resgato essa passagem familiar para propor uma reflexão sobre a liderança empresarial dos novos tempos. É certo que CEOs e dirigentes empresariais da atualidade enfrentam um cenário cujos desafios e nível de exigência atingiram patamares inéditos. A pressão por entrega de resultados financeiros vem acompanhada pelo acirramento da competição e, com ênfase especial, por uma cobrança dos diferentes grupos de stakeholders para a geração de valor social. Afinal, se ao longo do século passado, o capitalismo produziu resultados relevantes para a sociedade, parece indiscutível que uma lacuna foi criada em relação ao progresso social e à responsabilidade das lideranças das organizações.
A sociedade tem sido cada vez mais exigente para avaliar a relevância de uma organização e a sua razão de existência. Se antes a relevância era medida centralmente pela performance econômico-financeira da organização, agora o cidadão-consumidor quer saber também o quanto a empresa cria valor para a comunidade e age como protagonista no desenvolvimento de uma sociedade ética, inclusiva, justa, sem deixar ninguém para trás. Segundo a pesquisa Edelman Trust Barometer 2022, 63% dos brasileiros entrevistados acreditam que as empresas têm maior capacidade de liderar soluções para os problemas da sociedade. Isso significa que nunca foi tão esperado – e também necessário – equilibrar melhor as visões de curto e longo prazo e, principalmente, reimaginar o papel da liderança.
O Movimento Capitalismo Consciente tem proposto o debate sobre novas formas de investir, fazer negócios e liderar pessoas. A liderança consciente é aquela que reconhece o contexto social onde está inserida e busca gerar valor para o conjunto de stakeholders, com respeito às pessoas e ao meio ambiente. Uma liderança consciente guia a organização em direção a um propósito para além do lucro. Coloca as pessoas no centro das suas decisões e empenha os recursos e as competências da organização para a construção de soluções dos persistentes desafios da sociedade. É consciente da sua capacidade de influência e do seu impacto para além dos muros das empresas e os direcionam a favor do bem-comum.
Afinal, qual é o sentido de uma liderança que gera valor apenas para a sua organização? Eu acredito que foi essa pergunta que guiou o CEO da empresa a deixar a esposa e os três filhos em casa para minimizar os impactos da invasão militar nos colegas de trabalho e reduzir a dor dos refugiados que chegavam na fronteira do país em guerra. E você? O que pode fazer hoje, quais os compromissos que pode assumir nos negócios para contribuir com ambientes de trabalho melhores e uma sociedade mais próspera?
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