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Mineração usa quase 600 bilhões de litros de água por ano sem indicar fonte Estudo aponta descontrole da gestão hídrica nacional; ANA não responde

7 de novembro de 2023, 10h44 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

by Redação ★ Blog do Lindenberg

Por Folha de S.Paulo

O Brasil outorga 578 bilhões de litros de água por ano à mineração sem nenhuma indicação do aquífero de origem, o que aponta para um descontrole do uso das bacias hidrográficas do país. A conclusão é de um estudo da ONG Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional).

Esse descontrole se dá, especialmente, no âmbito dos processos sob responsabilidade estadual.

A outorga para uso de água pode ser dada pela União (para os casos de rios que passam por mais de uma unidade da federação) ou pelos estados (quando o processo envolve rios menores ou águas subterrâneas).

As informações referentes à vazão de água, uso e origem são autodeclaradas e a renovação da permissão, automática.

A exemplo do que acontece no licenciamento ambiental, os instrumentos de controle da União são mais rígidos e sistematizados —ainda que, como pontua o estudo, com diversas falhas—, ao passo que os órgãos estaduais sequer apresentam padronização em seus procedimentos.

“O Brasil é o país com mais água do mundo, tem uma riqueza hídrica ímpar, mas o estudo alerta que essa fartura está ameaçada”, diz Maiana Maia, organizadora do levantamento.

O levantamento da Fase sobre as outorgas para a mineração identificou que 71% da vazão das águas subterrâneas para o setor não apresenta informação sobre o aquífero de origem, ou seja, de onde é retirada a água usada.

Agricultor pega água em rio quase seco na cidade de Água Branca, em Alagoas; emenda parlamentar amplia abismo no acesso a água com abandono e desperdício. | Foto: Eduardo Knapp-19.set.23/Folhapress

“Há, portanto, um aparente e significativo desconhecimento dos órgãos estaduais de onde saem 578 bilhões de litros de água por ano”, diz o estudo.

“É uma falha enorme, escandalosa”, diz Maia, lembrando que são cada vez mais comuns as crises hídricas em diversos pontos do país, como no oeste da Bahia, no Rio São Francisco, e na Amazônia —que passa por uma histórica seca.

“A gestão pública das águas começa desse lugar da omissão e do favorecimento com a confiança nesses setores, pela autodeclaração da quantidade de águas que eles consomem”, diz. “Temos que colocar o Estado como um dos atores nessa dinâmica de secas”, completa.

O estudo também mostra que a enorme maioria das outorgas dadas à mineração são feitas em nível estadual, o que é classificado como algo problemático.

Canoas dos moradores da comunidade do Sobrado estão ancoradas nos bancos de areia formados no rio Negro, dentro dos limites do Parque Nacional de Anavilhanas, no município de Novo Airão (AM). | Foto: Lalo de Almeida/Folhapress

“Os estados possuem menor capacidade de gestão e fiscalização do uso das águas, além de estarem mais expostos aos interesses econômicos e suas chantagens”, diz o documento, que será lançado oficialmente nesta terça-feira (7).

De acordo com a análise, esses dados são enviados dos estados para um sistema nacional, gerido pela União, sem que essas falhas sejam identificadas ou combatidas.

“Nossa preocupante hipótese é a de que o Estado não possui sistema técnico e informacional capaz de aferir com precisão o real patamar do consumo de águas em território nacional. Sem essa informação, tampouco há capacidade na atual gestão pública para concluir de forma segura sobre a real disponibilidade hídrica que oriente critérios de responsabilidade socioambiental nos procedimentos de outorgas de água a empreendimentos hidrointensivos”, completa.

Procurada, a ANA (Agência Nacional de Águas) não respondeu.

Agropecuária

A maior parte das outorgas de água no Brasil é concedida à agropecuária. Dentro do setor, o estudo fez o recorte sobre o uso especificado como destinado à irrigação, o mais utilizado e que consome 247 quintilhões de litros de água por hora, segundo o levantamento da Fase.

Isso equivale, de acordo com o estudo, a 99 trilhões de piscinas olímpicas por hora ou, considerando os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, 174 bilhões de vezes o que é consumido por toda a população brasileira.

O estudo não se debruça tanto sobre o agro, mas aponta ainda que, a exemplo do que acontece com a mineração, para a irrigação, quando consideradas apenas as dez maiores outorgas concedidas do país, já são identificados 33,9 bilhões de litros de água sem identificação de corpo hídrico.

De maneira geral, o estudo afirma que, atualmente, há um descontrole sobre o uso da água no país, que acaba por favorecer os grandes setores da economia, uma vez que há uma série de falhas nas informações.

A Fase lembra que todos os dados de outorga são autodeclarados, ou seja, é a própria empresa a responsável por inseri-los no sistema, e não há método de checagem das informações.

Ainda, aponta que a renovação das autorizações é automática, exigindo apenas que os dados declarados mostrem qualquer tipo de vazão de água anualmente.

“O cenário é grave, já que as outorgas concedidas pelos estados respondem por 92,4% das concedidas no país”, pontua o estudo, considerando todos os setores.

Para Maia, esse descontrole favorece o uso do bem público sem a devida fiscalização. “Estamos falando da privatização das fontes de água”, completa.

Foto: Bruno Kelly – 7.out.2023/Reuters

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