Home Argentina Eleições na Argentina: Valério Arcary analisa segundo turno

Eleições na Argentina: Valério Arcary analisa segundo turno

17 de novembro de 2023, 14h09 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

by Redação ★ Blog do Lindenberg

Por Publica

No próximo dia 19 de novembro, a Argentina se encaminha para o segundo turno de uma eleição marcada por mudanças significativas e reviravoltas políticas. Os candidatos que disputam o pleito são o atual Ministro da Economia e peronista Sergio Massa, e o economista de extrema-direita autodenominado “anarco-capitalista”, Javier Milei.

Milei, que teve uma ascensão meteórica na política argentina, reuniu no primeiro turno uma coalizão de diferentes correntes da extrema-direita, incluindo aquelas associadas a tendências neofascistas. Segundo Valério Arcary, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e doutor em história, Milei capitaliza a rejeição ao peronismo e as consequências do governo anterior sobre a população. Há um receio em relação a Massa, que é visto como herdeiro de sucessivos escândalos relacionados ao favorecimento de grupos empresariais.

No episódio 97 do podcast “Pauta Pública,” Arcary, autor do livro “Ninguém Disse que Seria Fácil,” analisa as eleições decisivas na Argentina. Ele destaca que o país se encontra em uma “encruzilhada histórica”, com Milei propondo cortes de despesas sem precedentes. Para o historiador, essas medidas têm como premissa a reversão das conquistas em direitos sociais alcançadas desde as eleições de Néstor Kirchner (2003-2007).

Confira os principais pontos da entrevista e ouça o podcast na íntegra abaixo.

[Andrea Dip] A Argentina vai decidir seu novo presidente em breve. Você pode falar um pouco sobre o panorama atual? Quem são os candidatos, para um público que não os conhece?

A Argentina vai ter o segundo turno, que eles denominam “ballotage”, no dia 19 de novembro. Ele vem na sequência do primeiro turno, no qual participaram cinco candidatos; e também na sequência da eleição primária, que é uma peculiaridade do processo eleitoral argentino.

Nas primárias, que ocorreram em agosto, foram selecionados os candidatos que poderiam concorrer ao primeiro turno. A lei estabelece que só aqueles que, nas primárias, obtenham uma votação igual ou superior a 1,5%, podem participar do primeiro turno. Agora, no segundo turno chegaram duas candidaturas.

Em primeiro lugar a de Sergio Massa, herdeiro do movimento peronista argentino, e também Ministro da Fazenda do governo de Alberto Fernandes. Massa foi chefe de gabinete do governo de Cristina Fernandes entre 2006 e 2010. Massa se apresenta diante do eleitorado com um peronismo renovado, se posicionando numa ala anti-kirchnerista que têm responsabilidade fiscal, atitude pró-mercado e que passa fundamentalmente por um ajuste fiscal. Portanto, uma redução dos gastos públicos. O candidato quer reduzir o custo das políticas públicas gradualmente com o aumento das receitas e redução das despesas.

Em segundo lugar, vem Javier Milei com uma carreira meteórica. Milei é um homem com um pouco mais de 50 anos, que se apresentou como uma liderança política somente nos últimos quatro anos. Nos primeiros dois, ele se projetou — como chamamos no Brasil — um influencer com repercussão através das redes sociais e audiência importante em setores das camadas médias entre a juventude, e com uma fração do grande empresariado. Há dois anos, Milei foi eleito deputado federal, mas teve pouco protagonismo nos debates do congresso argentino. Porém, o candidato obteve muita presença no debate ideológico, funcionando como uma vanguarda ideológica do ultraliberalismo.

As medidas de maior impacto defendidas por Milei são: dolarização de emergência da economia, suspensão da operação do Banco Central, política de privatizações radical envolvendo saúde e educação pública, gerando um corte de despesas draconiano máximo nunca visto em nenhum país. Essas medidas têm como premissa a ideia que a ampliação dos direitos sociais trazidos a partir das eleições de Néstor Kirchner precisam ser subvertidos.

As duas candidaturas vão concorrer no próximo dia 19. Nas pesquisas disponíveis até 7 de novembro, feitas por seis institutos diferentes, quatro apontam uma ligeira vantagem para Milei, e duas indicam uma ligeira vantagem para Massa.

Os dados revelam que há um deslocamento de indecisos que correspondem a 5% para o candidato Milei, e que essa movimentação entre os indecisos está concentrada na população acima de 45 anos, nas mulheres e nos que têm menos instrução. Em contrapartida, é provável que Massa se beneficie dos votos da candidatura de esquerda que foi apresentada pelo partido FIT Unidad, liderado por William Bregman, que obteve 2,7%. Também é provável que uma parte da votação do governador de Córdoba, que paradoxalmente controla a legenda do Partido Justicialista (nome legal do peronismo), incline-se em direção à Massa.

Milei se beneficia do resultado da candidatura de Patricia Bullrich, favorita no início do processo eleitoral, reconhecida tanto pela extrema-direita quanto pela esquerda e centro-esquerda. Bullrich representaria o voto conservador no segundo turno.

[Andrea Dip] A Argentina tem esse forte movimento sindical, tem também a onda verde feminista, um dos movimentos feministas mais fortes do mundo. Por que Javier Milei é tão popular neste momento na Argentina?

Porque a sociedade está fraturada na Argentina. A Argentina é o país do peronismo, um movimento nacionalista burguês, que tem várias fases na presidência do país. Sua rejeição é capturada por Javier Milei e potencializa a incerteza nas eleições do próximo dia 19 de novembro. Isso quer dizer que a população está profundamente fraturada, uma parte com medo da aventura de Milei, com medo do perigo que ele representa para liberdades democráticas; outra parcela da população está com medo de Sergio Massa, herdeiro do peronismo, do qual o último governo foi catastrófico, e também herdeiro de sucessivos escândalos de favorecimento a grupos empresariais. Por isso, o peronismo também está associado à corrupção da burocracia sindical e ao favorecimento de grupos empresariais alinhados.

Então, no dia 19 de novembro, haverá o choque entre dois grandes medos. Eu não subestimaria o Milei, é muito importante dizer isso, o perigo de Milei é gravíssimo. A Argentina está numa encruzilhada histórica, a política de Milei envergonha o país diante do mundo.

Duelo eleitoral entre Massa e Milei elevou as tensões políticas no país

[Mariama Correia] Sobre a encruzilhada na história da Argentina e as promessas de Milei, são ameaças que devem ser levadas a sério, inclusive algumas delas com relação ao Brasil, de cortar relações comerciais e com relação ao Mercosul. Mesmo com a possível derrota de Milei, você avalia que o desempenho que ele obteve ao longo da campanha e o apoio que ele conquistou, a extrema-direita vai sair fortalecida na Argentina, e de um modo mais amplo, na América Latina?

Com certeza. Estamos falando de algo que tem, me perdoem a expressão, elementos apocalípticos. Evidentemente, há um elemento catastrófico na encruzilhada colocada diante da sociedade argentina, porque, seja qual for o resultado, claramente a sociedade está fraturada. Isso significa que a vitória eleitoral não vai afastar o perigo da corrente neofascista.

É assim como o ex-presidente Donald Trump nos Estados Unidos, que também perdeu nas últimas eleições. Nas pesquisas que foram divulgadas na primeira página do jornal New York Times no domingo passado [5 de novembro], nos seis swing states [estados que podem definira escolha presidencial], Trump está na frente, mesmo com a investigação pela Justiça e que eventualmente venha a ser condenado.

Ficou evidente que esta corrente de extrema-direita está blindada contra os argumentos, por isso ela não vai desaparecer de um dia para o outro. Há uma blindagem que leva uma adesão apaixonada a um projeto político salvacionista que, em última análise, diz que a saída da crise, para a economia voltar a crescer, para o aumento da mobilidade social, para que a vida seja mais segura e melhor, há a naturalização da ideia de que os mais fortes devem governar e que a fratura da sociedade e a desigualdade é legítima, e deixa suspenso no ar o medo da guerra civil.

Analisando um discurso com o grau de extremismo de Milei, ele educa sua base social na ideia de que o inimigo da sociedade argentina é o inimigo interno. Que esse inimigo interno são os movimentos feministas, LGBT, o movimento operário, o sindical, desempregados, a esquerda, daí, portanto, a fúria anticomunista. É a preparação de um terreno no qual a medição de forças poderá ou não ser nas eleições. Como foi visto no dia 8 de janeiro no Brasil, pode ou não ser no processo eleitoral, como foi visto no 6 de janeiro na marcha sobre o capitólio de Donald Trump.

Foto: Reprodução

LEIA TAMBÉM

Envie seu comentário