Home Brumadinho MPMG indicia ex-presidente da Vale e mais 15 pessoas por homicídio doloso e pedido de prisão de gestor da Tüv Süd

MPMG indicia ex-presidente da Vale e mais 15 pessoas por homicídio doloso e pedido de prisão de gestor da Tüv Süd O MP encaminhou à Justiça de Minas pedido de prisão do gerente-geral da empresa alemã, Chris-Peter Meier. A Tüv Süd era responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem da Vale que se rompeu em janeiro do ano passado deixando 270 vítimas.

21 de janeiro de 2020, 18h22 | Por Lena Alves

by Lena Alves

Na semana em que a tragédia de Brumadinho completa 1 ano, deixando  270 vítimas, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) apresentou à Justiça, nesta terça-feira, (21), denúncia contra o ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman e mais 15 pessoas, por homicídios dolosos duplamente qualificados. Todos os acusados também responderão pela prática de crimes contra a fauna.

Da Tüv Süd, empresa alemã responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem, além de cinco pessoas indiciadas e denunciadas, o MPMG encaminhou à Justiça de Minas Gerais, pedido de prisão do gerente-geral da Tüv Süd alemã, Chris-Peter Meier, alegando que, apesar de sistematicamente procurado, não se dispôs a contribuir para as investigações.

Também foi formulado o pedido de suspensão das atividades de engenharia por parte de todos os denunciados engenheiros e, por fim, a proibição de se ausentarem do Brasil.

Segundo o MPMG e a PCMG, com a conclusão das investigações, ficou demonstrada a existência de uma promíscua relação entre as duas corporações denunciadas, no sentido de esconder do Poder Público, sociedade, acionistas e investidores a inaceitável situação de segurança de várias das barragens de mineração mantidas pela Vale.

“Com o apoio da Tüv Süd, a Vale operava uma caixa-preta com o objetivo de manter uma falsa imagem de segurança da empresa de mineração, que buscava, a qualquer custo, evitar impactos a sua reputação e, consequentemente, alcançar a liderança mundial em valor de mercado”.

As 16 pessoas são acusadas pelo crime de homicídio duplamente qualificado  por 270 vezes. Conforme a conclusão das investigações, os crimes foram praticados através de meio que resultou perigo comum, já que um número indeterminado de pessoas foi exposto ao risco de ser atingido pelo violento fluxo de lama.

Além disso, concluiu-se que os crimes foram praticados mediante recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas – já que o rompimento da barragem ocorreu de forma abrupta e violenta, tornando impossível ou difícil a fuga de centenas de pessoas que foram surpreendidas em poucos segundos pelo impacto do fluxo da lama – e o salvamento de outras centenas de vítimas que estavam na trajetória da massa de rejeitos.

Denunciados que segundo as investigações ocupavam, à época do evento criminoso, os cargos na Vale:

1. Fabio Schvartsman (diretor-presidente);

2. Silmar Magalhães Silva (diretor do Corredor Sudeste);

3. Lúcio Flavo Gallon Cavalli (diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão);

4. Joaquim Pedro de Toledo (gerente-executivo de Planejamento, Programação e Gestão do Corredor Sudeste);

5. Alexandre de Paula Campanha (gerente-executivo de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina);

6. Renzo Albieri Guimarães de Carvalho (gerente operacional de Geotecnia do Corredor Sudeste);

7. Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo (gerente de Gestão de Estruturas Geotécnicas);

8. César Augusto Paulino Grandchamp (especialista técnico em Geotecnia do Corredor Sudeste);

9. Cristina Heloíza da Silva Malheiros (engenheira sênior junto à Gerência de Geotecnia Operacional);

10. Washington Pirete da Silva (engenheiro especialista da Gerência Executiva de Governança em Geotecnia e Fechamento de Mina);

11. Felipe Figueiredo Rocha (engenheiro civil, atuava na Gerência de Gestão de Estruturas Geotécnicas).

Da Tüv Süd, empresa alemã responsável pelo laudo que atestou a segurança da barragem, cinco pessoas foram indiciadas e denunciadas:

1. Chris-Peter Meier (gerente-geral da empresa);

2. Arsênio Negro Júnior (consultor técnico);

3. André Jum Yassuda (consultor técnico);

4. Makoto Namba (coordenador);

5. Marlísio Oliveira Cecílio Júnior (especialista técnico).

Tragédia

A barragem da mina do Córrego do Feijão se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, deixando 270 vítimas. O trabalho de buscas não foi interrompido. Até o momento são 259 corpos encontrados e identificados, o que corresponde a cerca de 96% das vítimas.

O Corpo de Bombeiro com a operação de resgate, segue a procura pelos 11 desaparecidos sem prazo para terminar.

Crimes ambientais

Todos os acusados também responderão pela prática de crimes contra a fauna crimes contra a flora conforme preve a lei.

Segundo a denúncia, aproximadamente 9,7 milhões de m3 de rejeito de mineração em forma de lama, destruindo, durante seu fluxo, parcelas de comunidades, acessos, áreas revestidas por florestas, áreas utilizadas para cultivos e, de modo geral, assolando tudo aquilo que se encontrava em sua trajetória, até alcançar a confluência do ribeirão Ferro-Carvão com o rio Paraopeba, a aproximadamente 9 km da barragem.

De acordo com as investigações, em razão do rompimento e da onda de rejeito que se seguiu, os denunciados deram causa à morte de espécimes da fauna silvestre, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

Conhecimento dos riscos

De acordo com as investigações, ao menos desde 2017, a Barragem I da Mina Córrego do Feijão já apresentava situação crítica para riscos geotécnicos.

Em 2018, outras anomalias se seguiram, aprofundando a situação de emergência da barragem. Os principais modos de falha com análises de estabilidade em valores inaceitáveis de segurança eram erosão interna e liquefação, ambas relacionadas com problemas de drenagem interna da barragem.

As apurações demonstraram que a Vale detinha internamente diversos instrumentos que garantiam um profundo e amplo conhecimento da situação de segurança de suas barragens. Entretanto, de forma sistemática, ocultava essas informações do Poder Público e da sociedade, incluindo investidores e acionistas da empresa.

Na denúncia, os promotores de Justiça descrevem práticas e instrumentos de gestão de informação da Vale, que foram relevantes para o amplo conhecimento interno do risco geotécnico inaceitável e intolerável calculado para a Barragem I e para diversas outras barragens da mineradora.

Citam como exemplos, os sistemas computacionais Geotec (Sistema de Gerenciamento de Recursos Geotécnicos) e GRG (Gestão de Risco Geotécnico), que permitiam, ao mesmo tempo, a produção de conhecimento (estatísticas e análises gráficas) sobre a situação global das barragens e o conhecimento profundo das peculiaridades do dia a dia de cada estrutura.

Outro exemplo de produção e compartilhamento de informações eram os Painéis Independentes de Especialistas para Segurança e Gestão de Riscos de Estruturas Geotécnicas (Piesem), que reuniam especialistas externos e as equipes técnicas da Vale e de empresas contratadas (consultores e auditores externos) para debater sobre temas críticos e definir parâmetros de análises técnicas e de tolerabilidade aos riscos.

Ao final de cada Piesem, os especialistas consolidavam um relatório final, que circulava internamente, contendo todas as informações relevantes para tomada de decisão da alta cúpula.

No Piesem de junho de 2018, a Barragem I ocupava a oitava posição no “Ranking de Barragens em Situação Inaceitável”, que foi chamado na apresentação de “TOP 10 – Probabilidade”.

As 10 barragens listadas eram consideradas com probabilidade de falha acima do limite aceitável a partir de resultados de estudos da própria Vale. Contraditoriamente, no mesmo mês do evento, a equipe técnica da Tüv Süd emitiu Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) da Barragem I.

A reiterada contradição, constatada também em outras barragens, foi, inclusive, apontada no relatório final do Piesem de julho de 2018, que concluiu que, “mesmo com o resultado das análises não drenadas de estabilidade indicando fatores de segurança mais baixos, as declarações de estabilidade foram emitidas”.

“A situação inaceitável de segurança geotécnica da Barragem I da Mina Córrego do Feijão era plena e profundamente conhecida pelos denunciados, os quais concorreram para a omissão na adoção de medidas conhecidas e disponíveis de transparência, segurança e emergência, assumindo, desta forma, o risco de produzir os resultados decorrentes do rompimento”.

Responsabilidade

Na denúncia, os promotores de Justiça argumentam que, tendo conhecimento do risco de um rompimento, os denunciados tinham o dever de tomar as medidas de segurança necessárias, como o acionamento do Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM), mas preferiram arriscar para não gerar impactos na reputação da Vale e no valor de suas ações.

A denúncia aponta ainda uma relação de pressão, conluio, recompensas e conflito de interesses entre a Vale e a Tüv Süd. A empresa alemã, ao mesmo tempo que emitia DCEs como auditora externa – da qual se exige independência – atuava como consultora interna da Vale, assessorando tecnicamente para a tomada de decisões e ficando a sua equipe técnica sujeita a orientação e interferência direta do corpo técnico da Vale.

Além da relevância dos valores dos contratos de consultoria interna, que eram bastante superiores aos valores dos contratos de auditoria externa, o conluio com a Vale representou uma oportunidade de ampliação exponencial das atividades da Tüv Süd no Brasil.

Em razão da duplicidade de posições técnicas, mais do que a emissão de DCEs falsas, a Tüv Süd assumiu o protagonismo da análise e gestão técnica dos graves riscos geotécnicos conhecidos e calculados da Barragem I, aderindo e norteando o risco proibido assumido pela Vale.

Trâmites processuais

Segundo o MPMG, todos os crimes serão processados e julgados pela Justiça Estadual, no Tribunal do Júri de Brumadinho, considerando que as falsas declarações de estabilidade, apresentadas perante o órgão federal, foram verdadeiro escudo e crime-meio para as omissões dos denunciados que causaram os crimes de homicídio e ambientais.

Autores da denúncia

Assinam a denúncia os promotores de Justiça William Garcia Pinto Coelho, Ana Tereza Ribeiro Salles Giacomini, Francisco Chaves Generoso, Paula Ayres Lima, Fabrício José Fonseca Pinto, Leandro Wili e Wagner Marteleto Filho.

O Relatório Final da investigação conjunta, é assinado pelos promotores de Justiça citados e pelos delegados da Polícia Civil Bruno Tasca Cabral, Eduardo Vieira Figueiredo e Luiz Otávio Braga Paulon.

Nota da Vale

Posicionamento da Vale sobre denúncia do Ministério Público de Minas Gerais

A Vale informa que tomou conhecimento nesta data, 21 de janeiro de 2020, do oferecimento de denúncia pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com relação ao rompimento da Barragem I, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).

Sem prejuízo de se manifestar formalmente após analisar o inteiro teor da denúncia, a Vale desde logo expressa sua perplexidade ante as acusações de dolo. Importante lembrar que outros órgãos também investigam o caso, sendo prematuro apontar assunção de risco consciente para provocar uma deliberada ruptura da barragem.

A Vale  confia no completo esclarecimento das causas da ruptura e reafirma seu compromisso de continuar contribuindo com as autoridades.

Fabio Schvartsman 

A defesa do ex-presidente Fabio Schvartsman disse que seu a denúncia por “homicídio doloso é açodado e injusto”. “Se houve negligência de alguém, os responsáveis devem responder por seus atos. Mas é injusta e lamentável a tentativa de punir quem, desde a primeira hora, cumpriu com seu dever e esteve ao lado das autoridades para investigar”, diz a nota. (Leia a nota na íntegra no final desta reportagem).

TÜV SÜD 

Em nota, a TÜV SÜD disse que está oferecendo “cooperação às autoridades e instituições no Brasil e na Alemanha no contexto das investigações em andamento”

Demais notas 

A defesa de Felipe Figueiredo Rocha informou que não há nada a declarar.

Os advogados de Alexandre Campanha, Marilene Lopes e Washington Pirete tomou conhecimento da denúncia através da imprensa. “Os três denunciados continuam convictos de que suas atividades sempre visaram contribuir para a redução de riscos”.

A defesa de Joaquim Pedro de Toledo, Cristina Heloiza da Silva Malheiros e Renzo Albieri de Guimarães de Carvalho disse que a denúncia é “precipitada, foi oferecida por autoridade incompetente e são manifestos seus equívocos jurídicos”.

A defesa de César Augusto Paulino Grandchamp informou que só vai se posicionar depois que conhecer a denúncia.

Os advogados de Lúcio Cavalli e Silmar Silva disseram que ambos “demonstram grande surpresa em função da imputação feita, ainda mais com a impensável atribuição de conduta dolosa”.

Com: MPMG e G1MG
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

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