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Aloisio Vasconcelos afirma que privatização da Cemig é inaceitável O ex-presidente da Eletrobras afirma que Minas Gerais receberia em dividendos, em dois ou três anos, dinheiro da venda da Cemig.

19 de setembro de 2019, 14h28 | Por Carlos Lindenberg com Letícia Horsth

by Carlos Lindenberg com Letícia Horsth

Para ser aprovada, a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) tem um longo caminho a percorrer: deve passar pela Assembleia Legislativa e por um referendo popular, exigência que o governador Romeu Zema estuda eliminar da Constituição Estadual.

O engenheiro Aloisio Vasconcelos, ex-diretor da Cemig e ex-presidente da Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras) durante o governo Lula, acha uma temeridade a venda da estatal mineira. As razões, ele enumera na entrevista concedida ao Diário do Comércio.

Vasconcelos defende que a Cemig continue estatal e passe por uma ampla reformulação, com a venda de empresas que fazem parte de seu portfólio mas sejam pouco rentáveis, e o investimento prioritário em energias não hidrelétricas.

Como o senhor avalia a proposta que vem sendo defendida pelo governador Romeu Zema de privatização da Cemig?

Existem vários pontos que têm que ser observados nesta questão. O primeiro deles é o institucional, porque existe o Estado, que é Minas Gerais e sua gente, de um lado; e de outro, o governo, que é passageiro e acaba daqui a três anos. O dono das ações da Cemig é o Estado.

Então, nós, engenheiros, que temos vínculo com o setor elétrico, e eu, que tenho vínculo afetivo com a Cemig, pergunto: será que o governo, que é passageiro, tem o direito de vender um bem público que é de longo alcance e já tem quase 70 anos? O segundo ponto é histórico: a Cemig tem quase 70 anos.

No passado, a Cemig criou a Ermig (Eletrificação de Minas Gerais) para fazer eletrificação rural; criou o Indi (Instituto de Desenvolvimento Industrial de Minas Gerais) para atrair indústrias; a CDI (Companhia de Distritos Industriais). Em resumo: a Cemig tem uma história muito bonita plantada em Minas Gerais nesses quase 70 anos, criada em 1952 pelo então governador Juscelino Kubitscheck.

O terceiro ponto que precisa ser enfocado é o técnico, porque as empresas privadas, ou que foram privatizadas, não fazem eletrificação rural. Nenhuma faz, porque eletrificação rural se faz com projetos que não são lucrativos. E, não sendo lucrativos, a empresa privada não os faz. Eu fui presidente da Eletrobras no governo Lula, quando implantamos o “Luz para Todos” no Brasil inteiro e tiramos 12 milhões de brasileiros da escuridão. Eu sei a luta que foi com as empresas privadas para que elas fizessem um pouquinho pelas famílias que precisavam da eletrificação rural.

As empresas privadas ou que foram privatizadas, todas elas, sem uma única exceção, também aumentaram o custo da energia após a privatização.

E ainda, o que é preocupante para a população mineira, todas, com exceção de uma ou outra, tiveram uma piora nos índices que medem a qualidade da energia. Basta olhar o caso mais recente de Goiás, onde a população está nas ruas todos os dias brigando, protestando. Lá, a empresa de energia foi privatizada.

Hoje, é de um grupo italiano. Então, é muito importante olhar isso. O povo de Minas Gerais, que aprova a Cemig por 84% e 16%, vai passar a ter sua energia fornecida por uma empresa privada, que vai piorar a qualidade do serviço e a cobrar mais caro por isso. Isso é inaceitável. A Cemig tem hoje 8,5 milhões de consumidores. Claro que não vão ser ouvidos. Mas a população de Minas vai ser ouvida através da Assembleia Legislativa.

Esse é o quarto enfoque que eu queria dar, que é o enfoque político. Os deputados estaduais que fizeram a modelagem da Constituição Mineira registraram lá, com muita prudência, que, no caso de alguém querer vender a Cemig, teria que passar por duas votações na Assembleia com quórum qualificado, de 50 deputados votando a favor.

Eu não acredito que isso passe. E, se passar, tem um segundo turno. E se passar no segundo turno, ainda tem a exigência de que a população de Minas tem que se manifestar em um referendo popular. Ninguém tem bola de cristal, mas eu posso assegurar que a chance de se vendê-la é mínima.

Durante algum tempo, a Cemig comprou várias empresas fora de Minas, algumas boas, outras de qualidade duvidosa, como o a Light. Não seria o momento de a Cemig fazer uma limpeza em seu portfólio, eliminando as empresas que são pouco rentáveis?

Na nossa visão, a Cemig tem que passar por um processo de modernização da gestão, Trabalhando por objetivos, fixando metas, uma remuneração variável ligada à produtividade, e implantando meritocracia, sem nenhuma influência política.

Fazendo isso, a empresa terá resultados bem melhores. Há também um segundo projeto, que imaginamos muito impactante, de separar a velha Cemig, de geração e transmissão e com muita coisa contabilmente já depreciada, da nova Cemig, das energias alternativas, da biomassa, da energia solar, das PCHs, da geração distribuída. Seria a Cemig projetando o futuro.

O governo alega que o Estado eficiente é um Estado enxuto. Como o senhor vê o argumento que o governo Zema tem apresentado como justificativa para a venda da Cemig?

O Estado só tem 17,02% da empresa, que podem render R$ 3,4 bilhões, considerando a venda da empresa por R$ 20 bilhões. A Cemig dá isso para o Estado com o pagamento de dividendos em dois ou três anos, como deu muito mais que isso no passado. Nós defendemos o Estado mínimo.

Mas, se a estatal é eficiente e lucrativa, porque não mantê-la? Tem também o lado engraçado da história. Se a privatização ocorrer, quem vai comprar a Cemig será uma estatal da China, da Itália, ou até uma francesa. O que a gente quer é uma Cemig, eficiente, lucrativa, com o Estado ganhando com isso. E a população de Minas usufruindo do bom serviço da empresa.

A Cemig é dona de algumas empresas. Tem a Taesa, que é uma empresa formidável, lucrativa, mas cujo maior acionista é colombiano. Tem a Light, que é uma empresa problemática, por causa da inadimplência de seus consumidores, que é da ordem de 20%. Isso é muito alto.

A Cemig tem outras empresas, tem a Aliança de Energia, que é a holding que toma conta das geradoras, que é extraordinária. A Cemig pode dar uma modernizada, vendendo parte de suas grandes empresas. Não tem nenhum problema nisso. Vejo um movimento do governo entregando o controle da Light.

Mas a Companhia Energética de Minas Gerais, como o nome dela já diz, aprovada pelos mineiros, com os bons serviços que presta, essa empresa tem que continuar a sua sequência histórica e não ser privatizada.

As observações que o senhor faz para a Cemig valem também para a Eletrobras?

O cenário é diferente. A Eletrobras é uma empresa muito grande, atende o País inteiro. Inclusive tem energia de carvão, que não se usa mais no mundo, tem energia nuclear, que é usada no mundo, mas desperta receio.

A Eletrobras pode ter uma privatização parcial. Ela tem empresas altamente rentáveis, como Furnas, mas que não é uma empresa que atende à população. Ela gera, transmite e pronto. Mas é altamente rentável. Porém, é uma privatização delicada por causa do controle sobre os rios. É um enfoque completamente diferente da Cemig.

Para você ter uma ideia da importância do domínio do rio, nos Estados Unidos, as usinas que têm domínio do rio, como as do Tennessee, Chattanooga, são administradas pelo Exército americano. Não é nem pela engenharia privada ou estatal. São controladas militarmente por causa do domínio do rio. Esse é o enfoque delicado em uma discussão sobre privatização de Furnas.

Eu me lembro bem do discurso do dr. Itamar Franco, que enfrentou Fernando Henrique, que queria de todo jeito privatizar Furnas. Foi um embate civilizado, de bom nível, mas foi difícil. Mas a Eletrobras tem também empresas que não são tão lucrativas, que às vezes dão lucro, às vezes, não dão. São empresas que não têm a lucratividade permanente que caracteriza a história das gestões em Furnas.

Fonte/Créditos: Diário do Comércio
(Conteúdo produzido pela SME)

Foto: SME/Divulgação

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