Por Mauro Werkema
Nas celebrações do bicentenário da Independência do Brasil, a 7 de setembro de 2022, cabe lembrar alguns fatos que sustentaram a decisão de dom Pedro I de cortar os laços com Portugal e a influência de Minas Gerais e, especialmente, de Ouro Preto, então Vila Rica. A luta pela Independência do Brasil, na versão histórica atual, tem início em 1822 mas se estende a 1825, quando cessam as resistências à ruptura com Portugal. Mas já em 1822, a 1º de dezembro, Dom Pedro I foi coroado imperador do Brasil, deixando a condição de príncipe regente que assumira com o retorno de Dom João VI para Portugal, em 1821.
Em busca de apoio de Minas Gerais, então maior Capitania do Brasil, conhecida por seu espírito rebelde e autonomista, Dom Pedro vem a Vila Rica, onde chegou no dia 9 de abril de 1822 e permaneceu por 12 dias. Retornou ao Rio somente no dia 25, em rápida viagem pelo Caminho Novo, aberto por volta de 1701, para encurtar a viagem até o porto de envio do ouro para Portugal. Logo depois vai a São Paulo, quando também recebeu apoio para a Independência. Como imperador, em 1823, Dom Pedro dá a Vila Rica o nome de “Imperial Cidade de Ouro Preto”, em reconhecimento à cordialidade e o decisivo apoio político que recebera na cidade. “Minas aderira em massa à causa do príncipe que, naquele instante, era também a causa do Brasil” (“A Independência dia a dia”, Pedro Calmon, 1972). Nesta viagem passou por Barbacena e São João del-Rei, onde também foi bem recebido.
O famoso Grito do Ipiranga, ufanista, escolhido como ato e momento oficial da Independência, passa hoje por revisão histórica. A cena ficou imortalizada pelo famoso quadro “Independência ou morte”, encomendado por Pedro II em homenagem ao filho, pintado por Pedro Américo (1834/1905) e elaborado em Florença, só concluído em 1888, à mostra no Museu do Ipiranga (USP/São Paulo). O quadro confere ao príncipe regente, às margens do rio Ipiranga, empunhando a espada, o ato heroico de ruptura política com Portugal, mas efetivamente i conquistada três anos após. Dom Pedro, conforme os revisionistas históricos, teria recebido no seu retorno de São Paulo, no Ipiranga, para onde fora após visitar Minas Gerais, cartas das Cortes Portuguesas, restringindo as funções do príncipe regente e retirando autonomia do Brasil-Colônia.
A manifesta adesão dos mineiros a Dom Pedro será fator primordial para Independência, sustentam os historiadores do período. Em Minas dom Pedro recebeu garantias de pleno apoio dos mineiros, com sustentação de tropas militares, se preciso. Recebeu também garantias de abastecimento alimentar ao Rio, no caso se conflito prolongado. Os mineiros pediram apenas que tão logo fosse imperador implantasse uma Assembleia Nacional Constituinte para dar ao Brasil independente uma constituição.
Dom Pedro, então como príncipe regente, condição que recebera de seu pai, dom João VI, que retornara a Portugal em 1821, já sofria pressão das Cortes Portuguesas que, após a chamada Revolução do Porto, de 1820, assumiram o governo português e obrigaram Dom João VI a retornar, sob pena de perder o poder. As Cortes determinavam que o Brasil voltasse a ser simples colônia, com perda de autonomia e outras conquistas obtidas desde 1808, quando a família imperial viera para o Brasil fugindo da invasão do exército de Napoleão. E as Cortes entregavam o governo a uma junta especial, exigindo também o retorno de Dom Pedro a Lisboa.
Já no dia 9 de janeiro de 1822, que ficou conhecido como o “Dia do Fico”, dom Pedro declarara que ficaria no Brasil, fortalecendo o movimento separatista, visto como o passo mais importante em direção à Independência. Neste episódio destaca-se o mineiro José Joaquim da Rocha, de Mariana, deputado, conselheiro de Estado, diplomata, “ardente nacionalista”, que liderava no Rio movimento de emancipação do Brasil, e que desfrutava de grande influência na Corte e junto ao próprio Dom Pedro. Seu papel no “Fico” está descrito em livro do historiador marianense Salomão de Vasconcelos “O Fico – Minas e os mineiros na Independência”, publicado em 1937.
Nascido em Antônio Pereira, na época distrito de Mariana, em 1777, José Joaquim da Rocha foi contemporâneo dos inconfidentes e transferiu-se para o Rio em 1808, atuando como advogado licenciado. No trabalho pela Independência, aliou-se aos principais nomes do período, partidários do mesmo ideal, atuantes na Loja Maçônica “Distintiva”, de Niterói, tida como republicana e revolucionária, que se disfarçava de Academia, adepta do pensamento da Revolução Francesa de 1789 e do ideário dos inconfidentes mineiros. Dois membros da Loja, José de Albuquerque e Antônio Carlos de Andrada, participaram do levante pernambucano de 1817. Fechada a Loja, seus membros aderiram, a partir de 1815, à Loja Comércio e Artes, com outros ilustres nomes que pregavam a república e a Independência.
José Joaquim da Rocha transformou sua própria casa, na Rua da Ajuda, no famoso “Clube de Resistência”, onde se realizaram os principais atos preparatórios do Fico histórico. O Clube passou a chamar-se “Clube da Independência, congregando vários nomes identificados com a Independência.
Salomão de Vasconcelos cita vários mineiros que também trabalharam pela Independência, em diferentes iniciativas: desembargador José Teixeira da Fonseca Vasconcelos (Visconde de Caeté), Pedro Dias Paes Leme (Marquês de Quixeramobim), o conselheiro Paulo Barbosa da Silva, o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, o tenente-coronel Joaquim José de Almeida, Juvêncio Maciel da Rocha e Inocêncio Maciel da Rocha. A José Joaquim da Rocha dá-se o título de “Precursor da Independência”. Sobre ele, personagem um tanto esquecido da História de Minas, diz Xavier da Veiga, autor de “Ephemérides Mineiras”: “Foi o mais influente, o mais ativo e o mais ousado impulsionador do grande movimento nacional pela Independência”. Merece lembrança outro mineiro, poeta e dirigente de um clube literário, nascido em Ouro Preto, Manoel Inácio Silva Alvarenga.
O historiador João Calmon define bem o momento histórico relativo à vinda de Dom Pedro a Minas e a importância da adesão dos mineiros à causa da Independência: A Independência era, “naquele instante, a causa do Brasil – causa esta que levaria o Brasil inteiro ao Ipiranga, numa aprovação unânime, que era a medida de anseio geral”. Ou seja: que Dom Pedro permanecesse no Brasil e proclamasse a Independência, desligando-se de Portugal. Por onde passou na sua viagem, fazendas, distritos, Barbacena, Queluz (Conselheiro Lafaiete) e São João del-Rei, mas especialmente em Vila Rica, dom Pedro obteve apoio unânime dos mineiros. Antes de entrar em Vila Rica lançou uma proclamação aos moradores, em que faz alusão às atitudes despóticas e repressivas das Cortes Portuguesas. O tenente-coronel José Maria Pinto Peixoto, comandante da guarnição federal em Vila Rica, único a opor resistência inicial, aderiu a Dom Pedro e passou a escoltá-lo na sua entrada na cidade. O historiador Eduardo Canabrava, no livro “D. Pedro – Jornada a Minas Gerais em 1822”, de 1972, descreve com detalhes o roteiro e os atos da visita a Minas.
A adesão de Minas Gerais à posição de resistência e emancipação de Dom Pedro foi vital à sua decisão de declarar a independência do Brasil. Desde a Inconfidência Mineira de 1789, o sacrifício de Tiradentes e o degredo dos conspiradores para a África, as manifestações de Vila Rica e de outras cidades, representando a opinião dos mineiros, tinham peso e influência na Corte. Vila Rica e os mineiros tinham a fama de rebeldes por sua resistência, em vários atos de sublevação e oposição à opressão do regime colonial português, notoriamente inepto e meramente explorador das riquezas da colônia.
De resto, registram historiadores, temia-se que ainda havia em Vila Rica um sentimento oposicionista com relação a Dom Pedro que, afinal, era neto de Dona Maria I, a Louca, que determinara a execução de Tiradentes, enforcado a 21 de abril de 1792 no Rio, e a punição severa aos inconfidentes. É oportuno lembrar que o sentimento de liberdade, que dominava dom Pedro e os brasileiros, era o ideal dos inconfidentes de Vila Rica, precursores da Independência, que ocorre exatamente 30 anos após a execução de Tiradentes. E a visita de um monarca português se fazia pela primeira vez, “passando por aquelas serras donde descera, oferecendo-se ao holocausto, o sonho de Tiradentes, pela liberdade”, diz o historiador João Calmon. Dom Pedro pode, então, respirar os “ares de liberdade” nas terras mineiras, onde se falou, pioneiramente, em independência e república e uma “pátria livre”, já em 1720, ideais que se repetiram em várias sublevações e, marcadamente, em 1789. No retorno, Dom Pedro teve a escolta de um esquadrão do Regimento de Cavalaria de Cachoeira do Campo, segundo revela Augusto de Lima.
Há registros de que Dom Pedro ouviu, em Barbacena, São João del-Rey, por onde passou e, especialmente Vila Rica, posições bastante firmes em favor da resistência às Cortes Portuguesas que, em termos concretos, haviam aprisionado seu pai, Dom João VI. E que impunham ao Brasil um retrocesso humilhante, retornando à condição de mera colônia, sem governo autônomo, desfazendo conquistas obtidas com a vinda de Dom João VI para o Brasil em 1808.
No período da Regência, de grande instabilidade política, que durou 10 anos, até a decretação da Maioridade de dom Pedro II, aos 15 anos, em 1841, ocorreram várias revoltas, algumas de natureza territorialmente separativa. O mesmo clima ocorre na regência de Dom Pedro I, após o retorno de Dom João VI a Portugal e a abdicação em 1831, quando também ele vai para Portugal. A viagem de Dom Pedro I tinha o objetivo de evitar rupturas institucionais e até territoriais. Merece lembrança outro mineiro, poeta e dirigente de um clube literário, nascido em Ouro Preto, Manoel Inácio Silva Alvarenga.
O padre Belchior Pinheiro de Oliveira, nascido em Pitangui, conselheiro e confessor de Dom Pedro I, que estava presente no episódio do Grito do Ipiranga, terá papel importante na Independência. Belchior revela que aconselhou Dom Pedro I: “Se Vossa Alteza não se faz rei do Brasil, será deserdado por elas (as Cortes Portuguesas). Não há outro caminho senão a independência e a separação”. Dom Pedro voltou a Minas, e a Ouro Preto, uma segunda vez, em 1831, quando foi mal recebido em razão do caráter despótico e absolutista do seu governo. Não obteve o apoio dos mineiros, o que estimulou sua decisão de ir para Portugal para disputar o trono, que estava ocupado por seu irmão, Dom Miguel. Deixou no Brasil seu filho, então com cinco anos, futuro imperador Dom Pedro II. Dom Pedro I, nascido em 1798, morre em 1834, quando faltava apenas três semanas para completar 36 anos.
Mauro Werkema
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