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Juízo de primeira instância condena o ex vereador Cláudio Prates O réu “plantou” prova em uma operação, para incriminar uma pessoa que chegou a ficar 60 dias presa em decorrência dos atos do policial

21 de agosto de 2020, 08h11 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

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Por MPF

O Ministério Público Federal (MPF) obteve a condenação do escrivão da Polícia Federal e ex-vereador do município de Montes Claros (MG), Cláudio Ribeiro Prates, pelo crime de fraude processual (artigo 347, do Código Penal). Além da decretação de perda do cargo público, o réu recebeu pena de 3 anos, 1 mês e 14 dias de prisão.

Os fatos aconteceram em 2010. De acordo com o MPF, a atuação criminosa de Cláudio Prates teve seu ápice no dia da deflagração da operação “Senhor das Armas”, realizada em 23 de setembro daquele ano, quando ele “plantou” um pen drive contendo links para sites de pornografia em um dos locais de cumprimento dos mandados de busca e apreensão.

Essa conduta, também segundo a denúncia do Ministério Público Federal, foi na verdade “o resultado final de uma trama que se iniciou em data indefinida e por motivos ainda desconhecidos”.

Falsas diligências – O primeiro ato da trama consistiu na elaboração de um documento relatando que ele teria recebido, em 09/07/2010, uma denúncia anônima, via telefone, de pessoa residente na cidade de São Paulo (SP), acusando determinado cidadão de supostos crimes de estupro e posse ilegal de armas. De acordo com o escrivão, ele instruiu o(a) denunciante a fazer a denúncia por escrito, e, uma semana depois, teria aparecido uma carta anônima na caixa de correio da Delegacia da Polícia Federal em Montes Claros (DPF) narrando os mesmos fatos.

Então, cerca de 15 dias depois, três mulheres compareceram à DPF e relataram a Cláudio Prates abusos sexuais durante a infância e adolescência praticados pela mesma pessoa que fora denunciada por telefone e carta.

O ato seguinte foi a elaboração de uma peça policial denominada Informação, por meio da qual dois agentes daquela DPF relatavam o resultado de investigação em campo feita no município de Botumirim (MG), onde o cidadão denunciado possuía uma fazenda. O relatório afirmava que, sob a condição de anonimato, moradores locais apontaram esse cidadão como portador de diversas armas e que ele, possivelmente, estaria envolvido em crimes de pedofilia e/ou abuso de crianças.

Tal relatório serviu de subsídio para que a Polícia Federal pedisse à Justiça Estadual a expedição de mandados de busca nos dois domicílios do então investigado, para se apurar tanto o crime de posse ilegal de armas quanto a prática de delitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Deferidos os mandados, a Polícia Federal deflagrou a operação “Senhor das Armas”, para busca e apreensão na residência do cidadão situada em Montes Claros e na sua fazenda em Botumirim. Neste local, os policiais federais, entre os quais se encontrava o réu Cláudio Prates, encontraram armas e um pen drive contendo links para sites de pornografia. O investigado foi preso em flagrante e assim permaneceu por mais alguns meses respondendo a processo criminal por armazenamento de conteúdo pornográfico infantil.

Posteriormente, porém, descobriu-se que a prova desse crime – o pen drive encontrado em sua fazenda – fora produzido e “plantado” no local das buscas pelo escrivão da Polícia Federal.

E as irregularidades não ficaram limitadas a essa prova. Cláudio Prates também forjou a informação policial que narrou supostas diligências realizadas em Botumirim por agentes da PF. Durante o depoimento em juízo, os agentes subscritores do documento afirmaram que eles apenas o assinaram a pedido do colega e que jamais haviam feito tal investigação.

Perícia – A fraude foi desvendada a partir da perícia realizada no pen drive e nos computadores apreendidos na fazenda e na residência do investigado durante a operação Senhor das Armas.

O laudo pericial apontou que não havia nenhum rastro digital dos arquivos gravados no pen drive em qualquer dos discos rígidos dos computadores. Tampouco havia usuários com nome que remetesse ao do investigado. Na verdade, o computador existente na fazenda era tão antigo, que sequer possuía entrada USB, impossibilitando o uso desse tipo de mídia, o que levou o perito que participou das buscas a afirmar, em seu depoimento, que “é como se não tivesse equipamento de informática lá”. No local também não havia sinal de internet.

Por outro lado, o exame pericial, além de identificar que os arquivos do pen drive foram acessados no próprio dia da operação, às três horas da madrugada, no momento em que a Polícia Federal se reunia para iniciar a operação, também constatou que os últimos acessos aos arquivos foram feitos pelo usuário “Prates”.

Para o Juízo da 1ª Vara Federal de Montes Claros, a prova pericial levou à conclusão de “que o dispositivo se encontrava em poder de algum dos policiais federais que participaram da busca e apreensão” e foi “plantado” no local, o que também foi reforçado pela circunstância de que nenhum dos agentes que participaram da busca conseguiu identificar quem havia encontrado o dispositivo.

“Ora, se se buscava material com conteúdo pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, um pen drive apreendido é objeto de extrema relevância, que certamente não passaria despercebido pelo agente responsável por sua localização”, registra a sentença.

Ainda segundo o Juízo Federal, todos os atos anteriores praticados por Cláudio Prates – recebimento de supostas denúncias anônimas e falsificação do relatório de diligências para embasar ação de investigação – indicam seu “envolvimento pessoal no caso (não se sabe por qual motivo), o que apenas confirma que o nome ‘Prates’ constante como autor dos arquivos contidos no pen drive não foi mera coincidência”.

O MPF resumiu assim os fatos: “houve fraude processual na busca e apreensão realizada pela Polícia Federal na sede da fazenda a partir da inserção de pen drive contendo imagens de pornografia infantil no local da busca; no local não havia computador com entrada USB; no pen drive havia um arquivo chamado “cotação de preços.doc” que continha imagens de pornografia infantil; o usuário responsável por efetuar a última modificação na versão apagada do arquivo nomeado “cotação de preços.doc” tem o mesmo sobrenome do réu “PRATES”; o último acesso realizado no arquivo ocorreu no dia 23/09/2010, às 03:00 horas, momentos antes de ser levada a efeito a busca e apreensão na fazenda; nenhum policial presente na busca e apreensão se lembra de quem encontrou o pen drive; o réu foi o escrivão que produziu o auto de arrecadação onde se encontra listado o citado pen drive; o réu, por sua vez, nada apresentou que justificasse, razoavelmente, tais fatos”.

Crime-meio – Cláudio Prates também havia sido denunciado pelo crime do artigo 241-B da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que consiste em adquirir, possuir ou armazenar imagens de sexo explícito ou pornografia envolvendo crianças e adolescentes.

No entanto, por ocasião da apresentação das alegações finais, após a instrução processual, o MPF considerou que o armazenamento dos arquivos de pornografia no pen drive não constituiu um crime autônomo, mas sim um meio utilizado pelo réu para efetuar a falsa acusação.

“A hipótese que parece mais provável é a de que, na verdade, o armazenamento das imagens contendo cenas de pornografia infantil consistiu em mero meio para a prática do delito de fraude processual. Afigura-se cabível, assim, a aplicação do princípio da consunção, porquanto a conduta anterior de armazenamento das imagens contendo cenas de pornografia infantil, por Cláudio Prates, estava intimamente interligada com a fraude processual”, sustentou o MPF.

Concordando com esse entendimento, o Juízo federal afirmou que, “no presente caso, ficou evidenciado que o armazenamento das fotos no pen drive se deu com o fim único de cometer a fraude processual, não havendo qualquer prova de que o réu tenha se valido ou pretendia se valer das fotografias para outros fins”.

Perda do cargo – Ao decretar a perda do cargo de escrivão da Polícia Federal, a sentença ressaltou a gravidade dos atos praticados pelo réu, totalmente incompatível com o exercício de suas funções, “tendo ele se valido do cargo para obter a deflagração de uma operação lastreada em informação policial ideologicamente falsa, com posterior inovação artificiosa”.

Tanto as alegações finais do MPF quanto a sentença também lembraram as consequências do crime para a vítima, que ficou presa por vários dias e respondeu a processo criminal por pedofilia perante a Justiça estadual em razão da prova falsa plantada por Cláudio Prates, e para a própria Polícia Federal, que teve sua imagem maculada pela conduta de um dos seus integrantes.

A pena de prisão, contudo, foi substituída por prestação de serviços à comunidade e pagamento de cinco salários mínimos.
(Ação Penal nº 0007349-21.2017.4.01.3807)

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Imagem ilustrativa: Freepik

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