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STF manda Estado indenizar fotógrafo que perdeu visão cobrindo protesto Alex Silveira cobria ato em 2000 quando foi atingido por bala de borracha disparada por policial. TJ-SP entendeu que fotógrafo foi o culpado; ele recorreu. Julgamento começou na quarta.

10 de junho de 2021, 17h35 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

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Por G1

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu quinta-feira (10) que o poder público deverá conceder indenização ao fotógrafo Alex Silveira, que perdeu a visão após ter sido atingido por uma bala de borracha quando participava da cobertura jornalística de um protesto em São Paulo, em 2000.

O entendimento (veja os votos ao final) segue o voto do relator do caso e decano do Supremo, ministro Marco Aurélio Mello. Para ele, culpar o profissional de imprensa pelo incidente fere o exercício da profissão e endossa a ação desproporcional de forças de segurança.

O placar foi de 10 votos a 1 – o ministro Nunes Marques deu o único voto divergente. O julgamento teve início em agosto no plenário virtual e foi retomado nesta quarta no plenário físico.

O recurso tem repercussão geral, ou seja, a decisão deverá ser seguida em casos semelhantes. Um deles é o do fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu um olho cobrindo um protesto em 2013.

A tese sugerida pelo relator foi a seguinte: “Viola o direito ao exercício profissional, o direito-dever de informar, conclusão sobre a culpa exclusiva de profissional da imprensa que, ao realizar cobertura jornalística de manifestação pública, é ferido por agente da força de segurança”.

A tese aprovada pelo plenário, no entanto, foi a sugerida pelo ministro Alexandre de Moraes, que diz que:

  • “É objetiva a responsabilidade civil do Estado em relação a profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística em manifestações em que haja tumulto ou conflito entre policiais e manifestantes.”
  • “Cabe a excludente de responsabilidade de culpa exclusiva da vítima nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física.”

O caso

Silveira recorreu de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em 2014, alterou sentença anterior que condenava o Estado a pagar indenização de 100 salários mínimos. Ao rever a decisão, o TJ considerou o próprio fotógrafo culpado pelo fato.

O tiro de bala de borracha, disparado por um policial militar durante manifestação na Avenida Paulista, tirou 85% da visão do olho esquerdo do fotógrafo. À época, ele cobria o ato pelo jornal “Agora SP”.

Voto do relator

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio afirma que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “violou o direito ao exercício profissional, no que assentada a culpa exclusiva da vítima”.

O relator no TJ-SP, desembargador Vicente de Abreu Amadei, entendeu que a repressão policial “mais enérgica”, com bombas de efeito moral e disparos de bala de borracha, se fez necessária devido ao bloqueio da via pública por manifestantes, “que insistiam nesta conduta ilícita”, inclusive lançando pedras, paus e coco nos policiais.

“O autor colocou-se em quadro no qual se pode afirmar ser dele a culpa exclusiva do lamentável episódio do qual foi vítima”, afirmou Amadei.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, “ao atribuir à vítima, que nada mais fez senão observar o fiel cumprimento da missão de informar, a responsabilidade pelo dano, o Tribunal de Justiça endossou ação desproporcional, das forças de segurança, durante eventos populares.”

Segundo Marco Aurélio, “incumbe às forças policiais agir com cautela, visando garantir aos cidadãos segurança, proteção à integridade física e moral”. “O uso desse tipo de armamento há de se fazer considerados padrões internacionalmente recomendados.”

“A Polícia Militar do Estado de São Paulo deixou de levar em conta diretrizes básicas de conduta em eventos públicos, sendo certo que o fotojornalista não adotou comportamento violento ou ameaçador”, completou.

O ministro defendeu ainda que, num contexto em que se tem discutido com frequência intimidações e violências sofridas por profissionais da imprensa durante a cobertura de atos públicos, o caso “revela a necessidade de garantir o pleno exercício profissional da imprensa, a qual deve gozar não só de ambiente livre de agressão, mas também de proteção, por parte das forças de segurança, em eventual tumulto”.

“A liberdade de imprensa é medula da democracia, do Estado de Direito. Surge imprescindível, à concretização do acesso a informações de interesse público e ao controle da atuação estatal, imprensa livre e independente, forte e imparcial constitui meio para ter-se o avanço dos ideais expressos na Constituição Federal e contribui para o fortalecimento da República”, fundamentou o ministro.

Voto dos ministros nesta quinta

Nunes Marques – divergiu do relator e votou contra a indenização. “O que não se pode é, sob o argumento da liberdade de imprensa, instituir a regra abstrata de que a vítima, apenas pelo fato de ser jornalista, nunca contribuirá pelo evento danoso. Assim, jornalistas que assumem riscos extremos, imprudentemente contrariando todas as normas de segurança, seriam indenizados depois por eventuais danos por eles sofridos. Ou seja, a sociedade pagaria pelo grave risco voluntariamente assumido por ele.”

Luís Roberto Barroso – acompanha o relator. “Quando um jornalista cobre um evento, documenta uma manifestação, mais do que exercendo um direito próprio, ele está exercendo um direito da coletividade, que é o direito de sermos adequadamente informados do que está acontecendo. A liberdade de expressão, para além de ser uma manifestação da dignidade da pessoa humana, ela é indispensável à democracia. O jornalista estava lá correndo risco pelo interesse público.”

Rosa Weber – acompanha o relator. “A vítima não tomou parte do confronto, era um profissional de imprensa alheio ao conflito.”

Dias Toffoli – acompanha o relator.

Cármen Lúcia – acompanha o relator. “Chega a ser quase bizarro quando se afirma que o jornalista não teria desviado da bala. Um quadro de incontroversa responsabilidade do estado. Não vou acreditar que o estado possa ser leviano numa república democrática.”

Ricardo Lewandowski – acompanha o relator. “Não houve aqui de forma nenhuma culpa exclusiva da vítima. O profissional de imprensa agiu no exercício regular do direito, não se colocou em perigo, estava numa situação normal, consentânea com a função profissional.”

Gilmar Mendes – acompanha o relator. “Não considero que o simples exercício da profissão de jornalista seja possível daí extrair culpa exclusiva da vítima para ocorrência do evento danoso. Não considero estar presente situação configuradora de culpa exclusiva da vítima, haja vista que estava exercendo seu trabalho jornalístico.”

Luiz Fux – acompanha o relator. “A liberdade [de imprensa] constitui pressuposto básico. É inegável nesse caso a responsabilidade objetiva. Houve um ferimento gravíssimo. Assim como a liberdade de imprensa é um dos pilares da democracia, a responsabilidade objetiva do estado também é.”

Voto dos ministros na quarta

Alexandre de Moraes – acompanha o relator. “Não há nada que aponte a culpa exclusiva da vítima. A vítima não estava em um local de acesos proibido, estava no local nada manifestação. No legítimo exercício da sua profissão jornalística a vítima foi atingida. Não é razoável se exigir dos profissionais da imprensa que abandonem a cobertura de protestos. Estaríamos cerceando o exercício da liberdade de imprensa.”

Edson Fachin – acompanha o relator. “Não tenho dúvida de que neste caso verifica-se por parte do estado o descumprimento de um dever de proteção, o que enseja a responsabilidade objetiva pelo Estado.”

Foto: Caio Guatelli

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