Home Ditadura Justiça condena União, Funai e MG por campo de concentração indígena durante ditadura militar

Justiça condena União, Funai e MG por campo de concentração indígena durante ditadura militar O povo Krenak foi expulso de suas terras e obrigado a viver confinado em uma fazenda. O governo ainda criou uma prisão indígena e formou uma guarda composta por pessoas de várias etnias para causar desagregação da cultura.

15 de setembro de 2021, 21h38 | Por Redação ★ Blog do Lindenberg

by Redação ★ Blog do Lindenberg

A 14ª Vara Federal de Minas Gerais condenou a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo do estado por violações dos direitos humanos e civis do povo indígena Krenak – que vive na Região do Vale do Rio Doce – durante a ditadura militar.

Em 1972, homens, mulheres e crianças foram expulsos de suas terras pelo governo e obrigados a viver confinados na Fazenda Guarani, pertencente à Polícia Militar (PM), em Carmésia, a mais de 300 quilômetros de distância de suas terras. A medida foi tomada para facilitar a ação de posseiros vizinhos que tomaram os mais de 4 mil hectares dos indígenas.

“Era um campo de concentração. Famílias inteiras ficaram confinadas, presas mesmo, por anos nesta fazenda”, disse o procurador da República Edmundo Antônio Dias, autor da ação que tramitava há seis anos.
Em 1969, o governo militar já havia criado o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um presídio que chegou a abrigar 94 pessoas de 15 etnias, vindas de 11 estados brasileiros.

“Eles não sabiam porque estavam sendo presos. Alguns eram detidos por causa de bebida ou por terem saído de áreas demarcadas. Não havia julgamento. A tortura era comum. Eles ainda eram obrigados a fazer trabalhos forçados”, disse o procurador.

Outra violação foi a criação da Guarda Rural Indígena, composta por pessoas das aldeias que vigiavam e puniam os presos. A primeira turma foi treinada pela Polícia Militar de Minas Gerais e era composta por 84 indígenas de diferentes etnias e regiões do país, entre elas Craós (Maranhão), Xerente (Goiás), Carajás (Pará), Maxacali (Minas Gerais) e Gaviões (Tocantins).

A medida causou desagregação dentro do grupo, ferindo a cultura e o espírito de irmandade entre os povos.

A única foto que documenta uma cena de tortura durante a ditadura militar é de um indígena em um pau-de-arara sendo “exibido” em Belo Horizonte, na presença de autoridades como secretários de estado. O evento era a formatura da 1ª turma da Guarda Rural Indígena.

Indígena em pau-de-arara é exposto a autoridades em Belo Horizonte — Foto: Jesco von Puttkamer/Reprodução

Segundo a decisão da juíza Anna Cristina Rocha Gonçalves, a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo do estado terão que realizar, em um prazo de seis meses, “após consulta prévia às lideranças indígenas Krenak, cerimônia pública, com a presença de representantes das entidades rés, em nível federal e estadual, na qual serão reconhecidas as graves violações de direitos dos povos indígenas, seguida de pedido público de desculpas ao Povo Krenak”.

A Funai também terá que concluir o processo administrativo de delimitação da terra de Sete Salões, considerada sagrada para os indígenas. Só em 1993, que os Krenak conseguiram parte dos 40 mil hectares originais de volta. Porém, esta área ficou de fora.

Povo Krenak foi expulso da terra e confinado em fazenda; foto de 1987 — Foto: Cimi/Reprodução/Lígia Simonian

“A decisão acontece em um momento muito importante que é a discussão do marco temporal das terras indígenas. Se esta questão vigorasse, e não o que determina a constituição, estas pessoas jamais teriam conseguido retornar para sua terra. Porque isso só aconteceu depois da constituição de 88. Eles ainda estavam na Fazenda Guarani’, disse o procurador.

A Justiça também determinou que a Funai e o Estado de Minas Gerais implemente, “ações e iniciativas voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua Krenak, de forma a resgatar e preservar a memória e cultura do referido povo indígena, com a implantação e ampliação do Programa de Educação Escolar Indígena”.

A União deverá reunir toda a documentação relativa às graves violações, disponibilizando-a na internet, no prazo de seis meses.

Na ação, o Ministério Público Federal (MPF) ainda pede a punição do capitão Manoel dos Santos Pinheiro, responsável pelo reformatório na época de sua criação. O órgão reivindicou a perda da patente e da aposentadoria de militar.

“Não tinha juiz, não tinha advogado, não tinha Justiça, não tinha nada. O capitão Pinheiro era quem decidia quem ia para a cadeia e quanto tempo ficava”, disse a indígena Maria Júlia em depoimento.

“Se um militar queria uma índia, ela tinha que dormir com ele e o marido ficava preso. E isso aconteceu muitas vezes. O próprio capitão Pinheiro vinha de vez em quando na aldeia Krenak e praticava estes atos de violência sexual contra as mulheres”, contou Douglas Krenak, também em depoimento.
A defesa do militar reformado nega as acusações. A juíza entendeu que o pedido de punição do MPF deve ser analisado pela Justiça Militar, mas determinou que ele também é responsável pelas violações dos direitos dos indígenas.

A Advocacia Geral da União (AGU) disse que as entidades representadas ainda não foram intimadas. A Funai é uma delas. Já a União ainda não se posicionou. O governo de Minas Gerais, até a conclusão desta reportagem, também não havia se manifestado.

 

 

Por G1
Foto de capa (Vestígios do reformatório indígena em Resplendor) — Fred Bottrel/TV Globo

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